quarta-feira, março 14, 2007

A quem aqui passar: Tão cedo não volto

Já tempo foi que meus olhos folgavam
de ver os verdes campos graciosos;
tempo foi já também que os sonorosos
ribeiros meus ouvidos recreavam.

Foi tempo que nos bosques me alegravam
os cantares das aves saudosos,
os freixos e altos álamos umbrosos
cujos ramos por cima se ajuntavam.

Permanecer não pude em tal folgança;
não me pôde durar esta alegria,
não quis este meu bem ter segurança;

ainda neste tempo eu não sentia
do fero Amor a força e a mudança,
os laços e as prisões com que prendia.

Luís Vaz de Camões
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quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Banho-Maria

Visto que o pessoal aqui no Agreste Avena não se entende, e anda tudo à pancada, eu não tenho vida para isto e vou pregar para outra freguesia. Mudo-me de armas e bagagens para o Peão. Talvez volte aqui de vez em quando para uma pergunta sem importância ou uma citação, talvez não volte, talves volte mais tarde em pleno, talvez não. Por enquando fica o blogue em Banho-Maria. Como banda sonora fica a tocar o "Vou-me embora, vou partir", tema popular alentejano, cantado por Vitorino (com Zeca Afonso e Sérgio Godinho) do álbum "Semear salsa ao reguinho" (1976).

Vou-me embora, vou partir
(Popular Alentejano)

Vou-me embora, vou partir mas tenho esperança
de correr o mundo inteiro, quero ir
quero ver e conhecer rosa branca
e a vida do marinheiro sem dormir

E a vida do marinheiro branca flor
que anda lutando no mar com talento
adeus adeus minha mãe, meu amor
eu hei-de ir hei-de voltar com o tempo

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quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Guerra aberta na redacção do Agreste Avena

Estalou o verniz na redacção do Agreste Avena. Segundo uma fonte anónima que nos falou a coberto do anonimato, por ocasião da reunião destinada a fazer o balanço do primeiro ano de actividades o conflito latente no seio da redacção transformou-se num confronto aberto. As várias secções concordam que o Agreste Avena (AA) necessita de um rumo mais definido, mais preciso, necessita de tornar-se num blogue mais especializado, já não conseguiram foi chegar a um acordo sobre a linha editorial a seguir.
A secção de viagens, e viagens terá sido a primeira a avançar, defendeu que o AA se devia especializar em escrever sobre outras paisagens, outros lugares, e argumentou que foi essa a génese do AA. A secção de Política respondeu que a secção de viagens era a grande responsável pelo déficit do AA, aliás decidiu-se imediatamente pelo encerramento dessa secção por limitações orçamentais. A secção Paris terá aproveitado a deixa para contrapor que escrever sobre Paris não acarreta custos adicionais, e permitindo respeitar a identidade do AA, ao que a secção de Posts duvidosos retorquiu "quem é que quer saber de clichés sobre Paris?", recebendo a anuência da quase totalidade da redacção. Também a secção de Posts do Belém tentou avançar com a ideia de um blogue especializado em futebol, e em particular no Belém, argumentando que a bola iria atrair audiências. A secção de Duvidosos referiu que num blogue que tem mais secções que leitores regulares o argumento das audiências não é válido, ao que a secção de Política acrescentou que o AA é um blogue intelectual de esquerda, e que a secção de bola é só mesmo para dar um ar mais Povo, para afastar o espectro da esquerda caviar. Nesse momento a secção de Luta anti-CPE tentou a aproveita a circunstância para dizer qualquer coisa, mas já ninguém se lembrava muito bem do que era a luta anti-CPE. Foi então que secção Camões surgiu com a proposta do AA se especializar em poesia Camoniana, que isso sim seria um blogue original e iria pairar acima do nível da blogosfera. A redacção reagiu em coro, lembrando que aquela secção ainda não tinha contribuído com um único texto para o blogue, ao que a secção Camões ainda tentou reagir relembrando que contribui para posts de outros e, essencialmente para o título do AA. A secção de Ciência apontou ainda a falta de preparação académica para lidar com o assunto. Decidiu-se manter a secção Camões apenas para efeitos simbólicos sendo-lhe atribuída uma mesa ao canto da redacção, mas sem computador, a secção de Camões retorquiu ainda "Morro, mas morro com a Pátria". Foi então a vez da secção de Música tentar a sua sorte, mas de imediato a secção de duvidosos contra-atacou "Há mais blogosfera para além de Dizzy Gillespie, o espectro da secção de Música é demasiado reduzido". Nessa altura a secção de Ciência lança um ataque forte, numa longa e fundamentada intervenção advogou ser a única secção com uma preparação técnica suficientemente sólida para escrever sobre um tema em particular, finda a sua exposição a secção de Duvidosos exclamou "BOOOOOORRRIIIINNNNGGGGG", o que se revelou bastante eficaz. A secção de Política sentiu que a situação lhe era favorável e tentou avançar por seu turno, mas imediatamente teve a resistência de toda a redacção, o sentimento era de que há já demasiada política na blogosfera, e é necessário diversificar. A secção de Política não conseguindo impor-se, atingiu com um golpe palaciano a secção de Duvidosos que via como principal opositor, e conseguiu a cisão daquela secção com a criação de três novas secções: Citações, Pequenas perguntas sem importância e À grande e à Francesa. A secção de Política justificou-se ainda que ninguém levaria a sério um blogue dominado por Posts Duvidosos, o que levou a secção de duvidosos a ironizar "O que o Agreste Avena mais aspira é a ser levado a sério...".
À hora do fecho desta edição a reunião ainda decorria sem que houvesse indicações de que o conflito iria acalmar.

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terça-feira, fevereiro 13, 2007

Pequenas perguntas sem importância (V)

Porque é que o vinho que se bebe bem quando faz frio vem dos países quentes, e a cerveja que se bebe bem quando faz calor vem dos países frios?

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segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Ainda não é desta que peço o divórcio...

Eu e a minha nacionalidade temos uma relação difícil, estamos unidos oficialmente, no papel, mas está difícil. De há uns anos para cá é uma relação tumultuosa, com infidelidades várias (da minha parte). Um flirt que durou poucos meses, quando vim a esta minha casa actual pela primeira vez. Uma outra relação de quatro anos quando estive no exílio no Pacífico Noroeste - sabia que era temporário, que não ia durar para sempre, mas foi uma facadinha que me soube melhor do que eu esperaria. Agora há já um par de anos que estou onde estou, país desenvolvido, gente civilizada, gosto muito.
Este fim-de-semana lá fui a casa falar com a minha nacionalidade, pôr as coisas em pratos limpos. Perguntei-lhe se estava preparada para uma relação moderna, civilizada e ocidental, se não tivesse era o divórcio. Ela respondeu-me que SIM, aí com uns 43,61% de empenho mas com uns bons 59,25% de certeza. É bonito, é uma resposta clara, não tão tímida quanto eu temia. E disse-me ainda que as coisas estão diferentes para melhor, que já não há tantos acidentes nas estradas, e que há uns serviços públicos que funcionam bem, e umas reformas que estão a avançar. Jurou-me que está a tentar tornar-se num país moderno. Fiquei comovido. Chega para não pedir o divórcio (pelo menos para já...). Vamos continuar assim, oficialemente mantemos a nossa união, mas vivemos separados de facto. Estou nos braços de outra, e vou ficando, mas de vez em quando volta a casa só para manter as aparências.

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quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Lá vou eu de novo...

Vou de novo passar uns dias à Primavera. Parece que têm lá uma questão complicada para resolver e querem saber a minha opinião, a mim parece-me bem que SIM. Na realidade eu é que me ofereci como voluntário para dar a minha opinião, e sou de opinião que SIM. Eu e mais uns quantos, achamos todos que SIM. Mas também há os que acham que NÃO, mas aquilo é um bocado confuso, os que acham que NÃO passam a vida a tentar baralhar as ideias dos que ainda não sabem se SIM se NÃO. Mas para mim - pessoalmente - está em jogo bem mais do que uma simples pergunta de SIM ou NÃO, é sobretudo tentar perceber o que é que a Primavera quer si própria, para eu saber o que quero dela (ou ela de mim). Enfim, lá para domingo ao fim da noite saberemos no que é que isto dá. Amanhã, pela alvorada, meto-me no avião e vou.

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Citações (IV)

"Já se sabe: por uma linha razoável ou uma notícia correcta há léguas de insensatas cacofonias, de embrulhadas verbais e de incoerências"

Jorge Luís Borges, in Ficções (A Biblioteca de Babel)

P.S. - Aplica-se bem à campanha do NÃO por estes dias...
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domingo, fevereiro 04, 2007

O síndrome da mulher demasiado bonita

Conheço uma mulher, jovem, que é lindíssima, podia até ser top model. É inteligente, tem um bom currículo académico, e em geral a vida tem-lhe corrido, pode dizer-se, bastante bem! Dá-me a sensação que única infelicidade que lhe aconteceu é tudo nela ser assim tão sem mácula. É como que a sua prisão. Só a perfeição é aceitável, nada abaixo de perfeito pode ser tolerado. A sua existência é um permanente zelar pela sua imagem de perfeição. Tudo tem que ser perfeito. A roupa que veste tem que ser perfeita, veste-se bem, mas desportiva, casual, nunca roupa demasiado cara ou vistosa, seria uma demonstração de ostentação, exibicionismo, isso é imperfeito, ela tem que estar bem na sua pele, confortável e descontraída. Tem que dar a imagem que se veste bem, mas não liga muito a essas futilidades. O namorado também tem que ser perfeito, igualmente bonito, inteligente, bem sucedido e descontraído. Aquilo que diz também tem que ser perfeito, jamais arrisca fazer uma pergunta difícil pois poderia ser apanhada a fazer perguntas pouco pertinentes, e isso seria imperfeito. Quando diz algo incorrecto e lhe é chamada a atenção para isso, imediatamente nega, nota-se aliás uma enorme experiência no exercício desse contorcionismo que é explicar-nos que interpretámos mal o que disse e re-escrever o que realmente disse. Nunca arrisca contar uma piada, assim nunca conta piadas secas, e isso seria imperfeito. Contudo tem sempre um sorriso na cara, sempre jovial, fresca, solta, leve. Quando interpelada a tomar uma posição raramente se compromete, poderia acabar do lado errado, e isso seria imperfeito. Mas, claro, abre uma excepção quando se trata de uma posição consensual, aí adere ao consenso, pois encontrar-se só no grupo dos que não tomam posição quando a escolha é óbvia seria mal visto, logo imperfeito. A sua maneira de andar também tem que ser perfeita, tem que andar com elegância, mas sem ser espanpanante, um ligeiro gingar das ancas mas muito subtil, e sobretudo, oh céus!, evitar a vulgaridade. A sua maneira de olhar as pessoas quando fala com alguém tem que ser igualmente elegante e sóbria. Até a sua posição quando quando está sentada a trabalhar, se tiver que fazer uma escolha entre estar sentada confortavelmente e elegantemente, bem, nem sequer é um escolha, é uma obrigação. Faz pose em permanência, abomina a deselegância, e não se lhe conhece uma falha. De qualquer modo apontar-lhe uma falha seria deselegante, pior: insolente, e quem é insolente obviamente perde a razão, perde automaticamente a razão, está garantida assim a defesa contra que ouse apontar-lhe uma falha. O seu zelo pela imagem de perfeição é um notável esforço, titânico, sobre-humano. É impressionante a energia gasta nessa interminável tarefa. Visto do lado de quem é imperfeito é lamentável ver alguém nessa auto-infligida prisão (visto do lado de dentro estou certo que é bem diferente).
Mas conheço pior, há quem se lance nessa senda, sem sequer se aproximar vagamente da perfeição, aí o drama transforma-se em tragi-comédia.

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quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Com dedicatória a Sarkozy

Vai já para duas semanas que Sarkozy anunciou ao país que mudou, é um homem novo. Sarkozy já não é aquele político autoritário obcecado com a segurança e com os estrangeiros, afinal agora preocupa-se com a justiça social. Já não é um político economicamente ultra-liberal, afinal sofre com o drama dos trabalhadores (sic). Já não é um atlantista, até critica Bush. Já não é aquele político irascível que não suporta a crítica, adoptou um tom moderado, concilidador e dialogante. Sarkozy disse não menos de nove vezes as palavras "J'ai changé" (Eu mudei), no seu discurso de posse como candidato à presidência pela UMP. É um homem novo que nasce, que mudou devido às duras provas por que tem passado na sua vida política.
A mim, comovido (schuif, schuif) e sensibilizado pela nova dimensão humana do pequeno Nicolas, só me ocorre dedicar-lhe um poema, a letra de uma canção de Ney Matogrosso: Calúnias - Telma eu não sou Gay (que é uma tradução livre de Tell me once again)

Diz que vai dar, meu bem / Seu coração pra mim / Eu deixei aquela vida de lado / E não sou mais um transviado
Refrão: Telma, eu não sou gay / O que falam de mim são calúnias / Meu bem, eu parei . . .
Não me maltrate assim / Não posso mais sofrer / Vamos ser um casal moderno / Você de bobs e eu de terno
(refrão)
Eu sou introvertido / Até no futebol / Isso tudo não faz sentido / E não é meu esse baby-dool
(ref.)
( Telma, ô Telminha, não faz assim comigo, Não me puna por essas manchas do passado, Já passou, Esses rapazes são apenas meus amigos...)


P.S. - Publicado originalmente no Peão

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Pequenas perguntas sem importância (IV)

Que horas são no Pólo Norte?

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Estou mesmo orgulhoso...

Eu que pensava que só os blogues "importantes" é que tinham direito a lixo nas caixas dos comentários... Agora o também o Agreste Avena já faz parte desse clube tão selecto que são os blogues a quem o riapa se dedica a deixar comentários, e logo 2 (DOIS!, aqui e aqui) comentários racistas, insultuosos, irracionais, fascistoídes, enfim o melhor do melhor do que faz o riapa. Estou tocado no fundo do meu âmago, não caibo em mim de contentamento, aos meses que eu esperava por este momento. Esses rapazes que se dedicam a tempo inteiro à arte de deixar lixo nas caixas dos comentários dos blogues, horas de sono perdido nessa incansável labuta de formiguinha, que é ler blogues de que não gostam para depois poderem insultar, essa gente finalmente dedicou-me uns minutos da sua atenção. Do fundo do coração: Muito obrigado!

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terça-feira, janeiro 30, 2007

Para quem acha que o Belenenses é um clube de direita


Acontece-me amiúde ouvir o seguinte comentário: "O quê? [sobrolho levantado e testa franzida] Tu és do Belenenses e és de esquerda? [contracção facial fácil demonstrando desdém]". Mais ainda, isto vem de notórios lagartos (que é nome que se dá aos adeptos do clube do Visconde, esse grande defensor da classe operária) ou de ferrenhos lampiões (nome que se dá aos adeptos do clube conseguiu, durante a ditadura, ser fascista e comunista ao mesmo tempo).

Pois a 30 de Janeiro de 1938 (comemoram-se hoje 69 anos) deu-se o acontecimento que tira todas as dúvidas sobre o assunto. Vê-se ali na foto acima, e é o mais antigo acto público de protesto contra a ditadura fascista em Portugal de que tenho conhecimento (o que não quer dizer que seja o mais antigo em absoluto), e foi levado a cabo por três jogadores do Belenenses: Amaro (histórico capitão de equipa), Quaresma (tio-avô do Ricardo Quaresma) e Simões. Na foto são os quarto, quinto e sexto jogadores a contar da esquerda. Estava para iniciar-se o jogo entre Portugal e Espanha, jogo não reconhecido internacionalmente devido à Guerra Civil Espanhola, e quando os jogadores da selecção nacional deveriam fazer a saudação fascista, os três jogadores do Belenenses não o fizeram. Quaresma simplesmente não levantou o braço, Amaro e Simões ainda mais provocatoriamente cerram o punho, em alusão à simbologia comunista. Foram todos interrogados pela PIDE a seguir. O mais caricato foi quando a revista Stadium tentou acrescentar uns dedos postiços a Amaro e Simões, o que só trouxe mais atenção ao protesto dos jogadores (ampliando a imagem talvez dê para ver). Quaresma conta a sua versão neste post do Henrique Amaral (mais para o fim).

Vale a pena referir ainda que o Belenenses é desde a sua génese um clube popular. Foi fundado por Artur José Pereira, numa cisão do Sport Lisboa e Benfica, porque Artur José Pereira - um puro - achou que o SLB já não correspondia ao clube do povo que fora outrora o seu percursor Sport Lisboa. O Belenenses continua a ser ainda hoje o clube popular de Artur José Pereira. Quando uma pessoa escolhe o seu clube (o que acontece por volta dos quatro anos) deve ter estes factores em conta. Eu debrucei-me, à época, afincadamente sobre o assunto, fiz inúmeras pesquisas na internet e cheguei à conclusão que o Belenenses é o clube que melhor se identifica com as minhas ideias. Quero lá saber que o mais ridículo portugês de sempre fosse adepto do Belém, somos um clube tolerante e só por caridade (e porque ele nos pagou a construção do nosso lindíssimo estádio) que não o pusemos com dono.

Arquivado em:Posts do Belém

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segunda-feira, janeiro 29, 2007

Escolhe o teu Esquerdista preferido

O meu primeiro post no Peão vai ser sobre as eleições presidenciais em França (e palpita-me que não vai ser o último sobre o tema).
Há cinco anos Jean-Marie Le Pen conseguiu passar à segunda volta da eleições, ultrapassando Lionel Jospin. Apesar de gozar de uma boa imagem Jospin viu os votos da esquerda distribuídos por uma miríade de candidatos (o que não desresponsabiliza Jospin e p PSF da derrota). Este ano parece que o eleitorado "aprendeu" a lição e mais que provavelmente a candidata do PS, Ségolène Royal, vai beneficiar do voto útil, as sondagens apontam para mais de 30% à primeira volta, o que seria o dobro de Jospin em 2002.
A questão é de saber se os partidos à esquerda do PS "aprenderam" também alguma coisa, e quer-me parecer que não. A esquerda alternativa (quero dizer alternativa ao PSF) encontra-se num beco sem saída, se se verificarem as previsões das sondagens serão os grandes prejudicados pelo voto útil, se não for o caso arriscam-se a levar de novo a extrema-direita à segunda volta. A solução seria uma candidatura unitária que permitisse uma convergência dos vários partidos e movimentos de esquerda, que até já se vem desenhando desde o movimento anti-globalização. Seria uma excelente ocasião para o aparecimento de um novo movimento político à esquerda, com possiblidades de ter um expressão importante. Mas não foi o que aconteceu.
Alguns simplesmente apoiam Ségolène Royal, como Christiane Taubira (Parti Radical de Gauche), deputada guianesa que em 2002 ganhou muitos votos das Antilhas, e Nicolas Hulot apresentador de televisão ecologista que seria a figura mediática para uma candidatura dos "Verdes". No resto repete-se mais ou menos o cenário de 2002. Arlette Laguiller (Lute Ouvirère) decidiu candidatar-se pela sexta (!) vez às presidenciais, esteve desde início fora de qualquer possibilidade de convergência. O Partido Comunista (PCF) ainda tentou fazer crer que estaria interessado numa candidatura unitária. Foi lançada uma iniciativa conjunta com outros partidos e colectividades da sociedade civil para encontrar um candidato comum, fixou-se que seria um candidato de consenso e não eleito por simples maioria. O PCF recuperou os maus hábitos de comunistas, enviou militantes para as colectividades para tentar influenciar a escolha do candidato e forçou a mão. O PCF nunca esteve interessado numa candidatura conjunta, simplesmente quis aproveitar o movimento em benefício da sua própria candidatura, a de Marie-George Buffet. Nem quando viu que essa estratégia estava condenada desistiu, o resultado foi um estrondoso falhanço da candidatura unitária. Além de Buffet, que avançou sozinha, resultou deste falhanço também a candidatura Olivier Besancenot (Ligue Comuniste Révolutionaire), a candidatura dos Verdes, e muito provavelmente de José Bové. Pelos Verdes, com a retirada de Nicolas Hulot apresenta-se Dominique Voynet. José Bové, inicialmente tinha posto de parte uma candidatura por não ser consensual, mas neste cenário vai seguramente avançar. E espero não me ter esquecido de ninguém...
O que me incomoda nesta fragmentação é que uma esquerda que ser diz defensora de valores como a solidariedade e a tolerância não consiga viver com a diversidade. Vendo bem, todos estes candidatos se diferenciam muito pouco em termos do programa político, para o eleitor torna-se uma questão quase pessoal escolher entre um deles. Ainda assim, para mais sabendo que avançam para o suicídio político, continuam.
Mesmo sem acompanhar muito a cena política fora de Portugal e França, parece-me que não há muitos exemplos, se é que há de todo, de convergência entre a esquerdas alternativas como o Bloco de Esquerda em Portugal. Nitidamente o resultado é mais do que a soma das partes, mas é um exemplo que ninguém parece seguir, e em França está bem patente que não vai acontecer tão cedo.

Arquivado em:Política

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sexta-feira, janeiro 26, 2007

A Vez do Peão

O Peão é um novo blogue que surgiu há pouco, e para o qual fui convidado a participar. Aceito o convite, com muito gosto, e vou mandar a primeira posta em breve. Vou continuar aqui no Agreste Avena, vou andar cá e lá. Talvez algumas coisas sejam postadas aqui e lá, ou talvez não, talvez separe os temas dos posts num lado e noutro, e talvez no Agreste Avena mude um pouco o estilo, não sei, nem é muito importante agora.
Vou participar num blogue colectivo, com bloguers que aprecio bastante. Vai ser engraçado. Passem por lá e leiam, já há muito material, eu já lá vou ter não tarda.

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Citações (III)

"mais l'œuvre de l'homme vient seulement de commencer
et il reste à l'homme à conquérir toute interdiction immobilisée aux coins de sa ferveur
et aucune race ne possède le monopole de la beauté, de l'intelligence, de la force
et il est place pour tous au rendez-vous de la conquête"

Aimé Césaire, Cahier d’un retour au pays natal (1956)

tradução (minha):
"mas a obra do homem apenas agora começou
e falta ainda ao homem conquistar todas as interdições fixadas nos resquícios do seu fervor
e nenhuma raça possui o monopólio da beleza, da inteligência, da força
e é um lugar para todos o encontro marcado com a conquista"
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quinta-feira, janeiro 25, 2007

Quem faz investigação, quem a paga e quem beneficia?

Quem faz a investigação científica são em grande maioria instituições públicas, ou instituições privadas sem fins lucrativos. Ou seja, a investigação é numa enorme maioria paga por dinheiros públicos, ou seja de contribuintes, e por doações de beneméritos. Há excepções, como algumas áreas ligadas às tecnologias, mas seguramente não nas ciências biomédicas. A investigação que leva à descoberta de novos fármacos para combater qualquer doença é feita em laboratórios públicos, universidades, ou institutos de investigação fundamental, nunca nos laboratórios das empresas farmacêuticas. Se, por exemplo, se fizer uma pesquisa bibliográfica sobre os últimos desenvolvimentos no combate à SIDA pode verificar-se isso mesmo, se for o Cancro dá no mesmo, e por aí a fora. No entanto são as empresas farmacêuticas quem detém as patentes dos medicamentos que comercializam, e graças a isso podem estabelecer monopólios de determinados produtos. Para obterem as patentes as farmacêuticas têm duas possibilidades, podem pura e simplesmente comprar essas patentes aos investigadores que desenvolveram a pesquisa (o que me parece eticamente duvidoso, embora seja legal), ou então fazer ligeiras alterações aos produtos já existentes e patentear esse produto modificado (o que não passa de um estratagema). Acontece que essas modificações não alteram o efeito terapêutico, não trazem nada de clinicamente novo, mas podem tornar a produção mais fácil e mais barata.

A questão que a me parece importante - a mim e a muita gente - é saber se é legítimo uma empresa farmacêutica deter a patente, e logo o monopólio, de um produto que pode salvar vidas e é conseguido graças ao dinheiro de contribuintes (e beneméritos).

Vem isto a propósito de um processo em tribunal lançado pela Novartis, um gigante suíço da indústria farmacêutica, algo como a terceira maior do mundo, contra o estado indiano. A Índia tem uma lei de patentes que permite a produção de genéricos em larga escala, a preços reduzidos sem ter que sujeitar-se a autorizações das empresas farmacêuticas. Repare-se que a lei indiana nem sequer impede as patentes de medicamentos, simplesmente considera que alterações triviais de fármacos já existentes não merece uma nova patente. Para dar um exemplo concreto, uma alteração trivial é o aspegic em relação à aspirina, em vez de ácido acetil-salicílico tem-se acetil-salicilato de sódio, o que dá no mesmo. Se o produto original já tiver uma patente é essa patente que vale (o que até pode proteger as farmacêuticas em certos casos), se o produto original não tiver patente então as modificações também não são patenteadas e são de uso livre. A Novartis alega que esta lei é contrária às regras da Organização Mundial do Comércio (mas OMC), mas a OMC tem excepções às regras de propriedade intelectual específicas para os produtos farmacêuticos.

Se a Novartis ganhar o processo as consequências podem ser, serão seguramente, enormes, e quem vai ser prejudicado são aqueles que beneficiam hoje dos medicamentos a baixo custo produzidos na Índia. E a Índia está a tornar-se numa espécie de farmácia para o "terceiro mundo" (o que quer que isso seja), os medicamentos a baixo custo produzidos na Índia servem a muita gente, por exemplo 80% dos anti-retrovirais que a ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) usa nos seus programas de combate à SIDA vêm da Índia. Este processo judicial não é único, já em 2001 várias farmacêuticas, entre as quais a Novartis, moveram em conjunto um processo idêntico que acabaram por abandonar devido à intensidade dos protestos a nível internacional. Actualmente as outras farmacêuticas estão na expectativa, a ver para que lado cai, se a Novartis ganhar, outras moverão processos idênticos, Tal como fizeram em 2001, os MSF lançaram agora uma petição online contra este processo, e ao que parece a recolha das assinaturas segue a bom ritmo (a minha incluída), e lançaram outras iniciativas para fazer pressão sobre a Novartis.

Para quem quiser ler mais sobre o assunto, embora não esteja nas primeiras páginas dos jornais (o que tenho alguma dificuldade em perceber) há vários artigos disponíveis: Uma notícia na Nature (link só para assinantes, mas está aqui em PDF), uma no Le Monde, na Reuters em inglês e em português, e no site da ONG Oxfam.

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terça-feira, janeiro 23, 2007

Por um ponto-e-vírgula, f#$%-se!

Quem já veio aqui a este blogue usando o Internet Explorer deve ter reparado que havia um pequeno problema com o template (é o caso do meu amigo Anauel, veja-se o comentário ao post anterior). Pois correndo o risco de me expor ao ridículo vou contar a verdadeira estória, que não tem nada de excitante a não ser talvez o ridículo a que me exponho. Pois acontece que eu nem sou muito versado em html (coisa extremamente inútil para quem trabalha com genética e biologia molecular), mas deu-me na cabeça que aqui o Agreste Avena haveria de ter duas colunas, uma de cada lado do texto principal. O Blogger não tinha à época nenhum template disponível com duas colunas, ou seja, tive que inventar, o que me deu algum trabalho. Como não frequento o Explorer (eu sou um gajo muito Mac), isto foi tudo feito com o Safari e Firefox. Só mais tarde me apercebi que havia um problema com o Explorer, a coluna da direita sobrepunha-se com o texto principal, e o resultado era uma coisa feia (ver foto). A cena irritou-me um bocadinho, coisa pouca, mas já era tarde de mais, voltar atrás era demasiado trabalho. Lá fui amiúde fazendo as minhas tentativas de resolver o problema (o que no final de contas talvez não tenha sido menos trabalho), sempre sem sorte nenhuma - ainda para mais fazia um dia uma tentativa, só no dia seguinte é que via o resultado, ou a falta dele para ser mais exacto. Pus um aviso no cima da página a dizer que os outros browsers funcionavam nem, num de herói tipo "não quero saber do Bill Gates para nada!". Tretas, não conseguia era resolver a porcaria do erro com o html. Um dia lá pedi um PC emprestado, Ella emprestou-me o d'Ella, e ataquei-me ao problema usando o Explorer para ver se finalmente dava com a coisa. Não que eu tenha finalmente cedido à opressão do monopólio Windows, mas preocupava-me era esses dois terços da população que estavam privados de usufruir o Agreste Avena em toda a sua plenitude (sim, que eu sou um filantropo). Já não basta serem oprimidos pelo Bill Gates, ainda por cima ficam privados deste humilde blogue. Era nessas pessoas que esteve o meu pensamento o tempo todo. Lá me pus às voltas e a páginas tantas olhei para uma linha e pensei "olha falta ali um ';'..." (agora por extenso "olha falta ali um ponto-e-vírgula..."), e experimentei pôr lá o ';', e não é que a porra do ';' resolveu-me a merda do problema?!?! Isto dá-me vontade de me armar em maradona e escrever um post cheio de palavrões c%ß%lho! Tanta coisa, por um ponto-e-vírgula, f#$%-se!
Convenhamos também que o Explorer é um gajo um bocado burro. E foi isso que fez este situação arrastar-se tanto tempo. Pois quando eu explico ao resto da malta o template que eu quero - ao Firefox, ao Safari, ao Netscape, ao Opera - eles todos percebem o que quero dizer, mesmo sem o raio do ';', só o Explorer é que não percebe, é burro. Mas logo é esse burro que a maioria dos leitores preferem vá-se lá saber porquê. Seja como for, já passou, agora podeis todos desfrutar deste blogue sem discriminações. Enjoy!

P.S. - Imagem sacada no Fragmentos Digitais (curioso isto de ir a outro lado sacar uma imagem do meu blogue...)

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domingo, janeiro 21, 2007

À grande e à Francesa: O conceito de contrepétrie

Isto quando se é imigrante, tentar perceber a cultura de um outro povo, além de um necessidade prática não negligenciável, pode ser um desafio estimulante. O sentido de humor é, na minha humilde opinião, um inestimável recurso, incomparável fonte de informação. Pergunto-me amiúde sobre os outros "O que é que os faz rir?". Neste busca encontrei a Contrepétrie, é assim um género de trocadilho com que os franceses se divertem, e - mais importante - que eles próprios vêm como sendo algo muito francês. Consiste em encontrar frases que trocando-se-lhes de posição apenas uma sílaba, ou um som, altera-se completamente o sentido da frase. Para ser uma boa contrepétrie deve transformar-se uma frase banal e inocente numa outra muito menos recomendável, o objectivo é mesmo perverter a frase inicial. E o gozo está em conseguir com o mínimo toque, tão subtil quanto possível, obter o máximo de efeito. É aí que reside a essência da coisa, porque corresponde ao arquétipo do estilo (essa obsessão nacional).
Dando como exemplo a contrepétri mais famosa no mercado: "Je te laisse le choix dans la date" (deixo-te a escolha da data). O indivíduo põe um ar inocente, alega uma pretensa dislexia e troca os sons do "ch" e "d", foneticamente a frase fica: "Je te laisse de doigt dans la chatte" (deixo-te o dedo na rata). Lá está uma contrepétrie perfeita. Ainda outro exemplo "Le Fakir est parvenu à passer par la Chine" (O Faquir conseguiu passar pela China) trocando o "p" e o "ch" fica "Le Fakir est parvenu à chier par la pine" (esta vou abster-me de traduzir). De facto percebo-os muito melhor agora...

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quinta-feira, janeiro 18, 2007

Citações (II)

"C'est ça que les journalistes ont parfois du mal à saisir. Un spectateur peut, le lundi, voir le Disney, et le mardi, le Woody Allen. C'est la même personne(...)"
Luc Besson em entrevista ao A Nous Paris (Dezembro, 2006)

tradução (minha): "É isso que por vezes os jornalistas têm dificuldade em perceber. Um espectador pode, segunda-feira, ver um filme Disney, e terça, um Woody Allen. É a mesma pessoa (...)"
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quarta-feira, janeiro 17, 2007

Música do CPE: Ah!, gloriosos anos...

Já vai sendo altura de mudar a música ali da JukeBox da coluna da direita. O meu parceiro do CPE, que é um gajo porreiro, escolheu e escolheu bem. Decidiu levar-nos (falo na primeira pessoa do plural referindo-me aos que já temos idade para ir vendo alguns cabelos brancos nas nossas cabeças, ou noutros casos a falta deles) de volta aos nossos anos de teenagers. Vai daí o Belo manda-me um clássico do Rock Português, devidamente assinalado por uma comenda do 10 de Junho aqui há uns anos, de que eu por acaso até tenho o original em Vinil (e nem sei muito bem como é que vou conseguir passar para MP3, mas isso é outra conversa). Toca a partir de agora "Contentores" dos "Xutos e Pontapés", do álbum "Circo de Feras" de 1987 (já foi há vinte anos, porra!). E é melhor eu ficar por aqui que a escrita está-me a resvalar para a inconsssiência - com três S's, os mais velhos talvez se lembrem ainda da piada....

Ficam aqui a letra e a música:



Contentores
Xutos e Pontapés

A carga pronta metida nos contentores
Adeus aos meus amores que me vou
P'ra outro mundo
É uma escolha que se faz
O passado foi lá atrás

A carga pronta metida nos contentores
Adeus aos meus amores que me vou
P'ra outro mundo
Num voo nocturno num cargueiro espacial
Não voa nada mal isto onde vou
P'lo espaço fundo

Mudaram todas as cores
Rugem baixinho os motores
E numa força invencível
Deixo a cidade natal
Não voa nada mal
Não voa nada mal

Pela certeza dum bocado de treva
De novo Adão e Eva a renascer
No outro mundo
Voltar a zero num planeta distante
Memória de elefante talvez
O outro mundo

É uma escolha que se faz
O passado foi lá atrás
E nasce de novo o dia
Nesta nave de Noé
Um pouco de fé
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segunda-feira, janeiro 15, 2007

Quem vota NÃO vota em quê?

Quem votar NÃO no referendo vai estar a votar no Status Quo actual: pode praticar-se o aborto livremente, desde que seja clandestino. O que incomoda quem anda a fazer campanha pelo NÃO não é a prática do aborto, apenas a sua legalização. O que os move não é a defesa da vida que dizem sagrada, querem apenas que o aborto não tenha uma legitimação legal, política e social. Pode fazer-se o aborto à vontade desde que não se veja, é essa a realidade do país há décadas (ou será séculos) e parece não incomodar os apoiantes do NÃO. É essa a realidade que vai manter-se se não ganhar o SIM.
Não devemos subestimar uma questão cultural que joga aqui um papel importante; a contradição que existe entre o que são os princípios morais e o que é a praxis. Há princípios que podem não ser respeitados desde que não se assuma, e se continue - claro! - a carregar o estigma da culpa. Não que isso seja exclusivo da cultura portuguesa (longe disso), mas encaixa-se muito bem. Dei-me conta disto quando discutia há pouco com alguém que hesitava entre votar SIM e votar NÃO. Pesava a favor do SIM o não querer que as mulheres vão presas, a favor do NÃO o manancial do costume (mas sem grande convicção), e diz-me a certa altura "De qualquer modo não há nenhuma mulher presa por praticar o aborto". Há pelo menos um dos movimentos pelo NÃO que usa este argumento (aliás, tem sido recorrente como refere o Rui Tavares na crónica do último sábado). Pergunto eu: Como é que se pode usar como argumento a favor da manutenção da lei actual o seu incumprimento? Contradição? Incoerência? Esquizofrenia? Ou todas? Os apoiantes do NÃO nada fizeram para que a lei actual seja efectivamente cumprida. Nada fizeram contra os praticam o aborto clandestino. A lei actual nada resolveu até agora, nem há-de resolver, mas mobilizam-se para mantê-la, o que só pode ter como consequência deixar as coisas como elas estão. Não aceito e não uso o argumento de que o aborto deve ser legalizado pelo simples facto de que ele existe e não pode ser erradicado, mas o que se exige é coerência daqueles que se dizem contra o aborto. Se acham que lei actual é boa então façam alguma coisa coisa para que seja cumprida, denunciem à polícia as mulheres que praticam o aborto, mandem-nas para a cadeia, façam manifestações a favor da condenação dessas mulheres quando elas vão a julgamento, façam pressão política para que a lei seja cumprida, façam petições, façam qualquer coisa. É isso que fazem os apoiantes do NÃO? Nada disso, há até quem vote NÃO já tendo praticado o aborto. Histórias como aquelas narradas neste post da Fernanda Câncio no Glória Fácil também conheço. Certa vez, antes do referendo de 1998 discutia (acaloradamente) com colegas sobre o assunto, até que uma delas confessou já ter feito um. Como sempre a situação dela era especial (como se as outras não fossem), que era culpa da médica, e mais não-sei-quê, e que votava NÃO. Acho que histórias destas não faltam para aí. Claro que estas pessoas acham legítimo que se pratique o aborto, o que não acham legítimo é que seja legalizado, que seja socialmente aceite, que deixe de ser feito às escondidas, que deixe de ser estigmatizado, que deixe de ser crime.
Eu pessoalmente não gosto de contradições, especialmente nas leis, especialmente quando tem as consequências que tem esta contradição. Se a lei não é para se aplicar, então é porque não é boa, mude-se a lei. Se é aceitável a pratica do aborto então que seja feita em condições de higiene e segurança. Se há circunstâncias especiais em que se justifica a interrupção da gravidez, então que a mulher (ou o casal) tenha o direito de tomar essa decisão, e que isso deixe de ser um crime.

Adenda: Monsenhor Luciano Guerra, reitor do santuário de Fátima, explica melhor do que eu o que quero dizer. Vejam aqui ou aqui

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domingo, janeiro 14, 2007

Etnografia comparada

Em Inglaterra não se pode ter o bolo e ter comido o bolo (you can not eat the cake and have it) - Lapaliciano.
Em França não se pode ter a manteiga e o dinheiro da manteiga (on ne peut pas avoir le beure et l'argent du beurre) - Pragmático.
Em Portugal não se pode ter sol na eira e chuva no nabal - Bucólico-Poético.
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sábado, janeiro 13, 2007

Pequenas perguntas sem importância (III)

Porque é que a Rue des Crèpes aparece em todos os mapas e moradas oficiais indicada como Rue du Montparnasse?

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sexta-feira, janeiro 12, 2007

Quando a realidade ultrapassa a ficção (científica)

Hoje em dia já é possível ao cérebro humano ouvir música sem que seja produzido som algum. Numa pessoa que tenha um implante coclear o som é captado por uma unidade externa com um micro- mas verdadeiramente micro -fone e é transformado em formato digital, transmitido a um eléctrodo implantado na cóclea (daí o nome), este eléctrodo estimula a cóclea, mimetizando o que seria a transmissão normal do som pelo ouvido interno, e finalmente a cóclea transmite ao cérebro naturalmente por via nervosa. Se a pessoa que tem um implante coclear tiver também um iPod pode ligá-lo directamente à unidade externa do implante coclear através de uma pequena ficha, ou seja sem passar pelos auscultadores nem pelo microfone. Ora, as músicas que estão no iPod são ficheiros, logo estão em formato digital, são transmitidas ao implante que as recebe, também em formato digital, e que as transmite ao eléctrodo que transmite à cóclea que transmite ao cérebro, ou seja passa de digital a impulso nervoso, sem nunca ser produzido som. Mas a pessoa ouve a música, mesmo não havendo som há a percepção do som pelo cérebro, que é o que interessa. E quem diz um iPod, diz ligar a um computador para falar no Skype, ou um telemóvel, ou uma aparelhagem Hi-Fi, na realidade tudo o que tenha uma ficha para ligar os auscultadores.
É um admirável mundo novo que anda por aí, e que nem damos conta. Mas o mais admirável é que o implante coclear se destina a surdos, esta forma virtual de transmitir o som possibilita-lhes talvez algo que de outro modo era impossível. Para eles este não apenas uma qualquer alternativa, é a única maneira possível de ouvir música.

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terça-feira, janeiro 09, 2007

O céu é o limite...

Tudo começa quando o Sr. Gilette inventa a primeira lâmina de barbear descartável, a coisa deu para as encomendas durante umas largas décadas. Um dia alguém se lembra que talvez duas lâminas seja melhor do que apenas uma, abriu-se uma Caixa de Pandora. Não tardou muito que alguém se lembrasse que talvez três lâminas seja melhor do que duas, o que desencadou em mim não mais que um sorriso condescendente como quem pensa "estes gajos lembram-se de cada coisa...". Não obstante o desenvolvimento e o progresso continuam imparáveis e vorazes por entre faixas lubrastrip e suspensões activas. Preplexo vejo num ápice passar-se para quattro lâminas, em titânio e tudo. Nem tempo tenho para respirar, o ritmo acelera-se ainda mais, chegamos a cinco lâminas, e com vibrador. Pergunto-me apenas: onde é que isto vai parar?

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sábado, janeiro 06, 2007

A Royal candidata à presidência

Apesar das minhas reticências rendo-me ao talento político de Ségolène Royal. O mais recente exemplo é o vídeo que lançou na internet a desejar um bom ano novo aos franceses (podem ver o vídeo no fim do post). Num vídeo caseiro, que o Le Monde descreve de forma sublime como "falsamente amador", diz o que os franceses querem ouvir e do modo que os franceses querem ouvir, e faz passar uma mensagem política num tom bem afável. Mas este vídeo é apenas um exemplo, nos últimos meses a subida de Ségolène tem sido notável, e o mérito vai todo a estratégia que desenhou. Quando escrevi o tal post criticava sobretudo falta de comparência de Ségolène ao debate político, dizia-me um amigo francês, declarado simpatizante de Royal, que isso só demonstra que ela sabe muito bem para onde quer ir. Vejo-me obrigado agora reconhecer a razão desse meu amigo. Reconheço sobretudo o realismo e pragmatismo de Ségolène, que me parece agora perfeitamente capaz de bater o candidato da direita (provavelmente Sarkozy) na segunda volta. Apresentou-se ao debate na altura certa, evitou expor-se em demasia antes de tempo, e absteve-se de participar em quezílias que só deperstigiam todos os que nelas participam. E embora não me reveja em algumas das suas posições, o seu posicionamento é demasiado ao centro para meu gosto, agrada-me a sua maneira de fazer política. Ségolène aparece em defesa da democracia participativa, numa sociedade francesa que, apesar de muito politizada e com uma sociedade civil bastante activa, tem uma tradição política bastante institucional e fechada. Incitava há pouco tempo (lamento mas perdi o link) os militantes socialistas a fazerem campanha discutindo nas associações locais, nos seus bairros, nos cafés, e fala-se em lançar uma iniciativa "tipo estados gerais" para recolher as opiniões dos cidadãos e inclui-las no seu programa político. Este modo de fazer política contrasta bem com as costumeiras campanhas à base de autocolantes, panfletos e sacos de plástico. Mais ainda, vem na sequência das iniciativas que já tinha tido na internet, outra das suas inovações na maneira de fazer política. Agora que chegou a altura Ségolène não teme os debates difíceis, como não temeu fazer uma viagem ao Médio Oriente para dar a conhecer os seus pontos de vista sobre os problemas da região, mas sobretudo para ouvir os intervinentes.
Nos últimos tempos, mais precisamente desde as eleições primárias dentro do PSF, houve uma inversão das posições, o que fez com que Sarkozy ande agora a reboque d as iniciativas de Ségolène Royal. Sarkozy teve até que tirar da manga à última da hora uma eleição primária que o legitimasse dentro do próprio partido, onde foi afinal - imagine-se! - candidato único. Já Ségolène apresentou-se contra dois candidatos à partida fortes dentro do Partido Socialista, Strauss-Kahn e Laurent Fabius, os três debateram os respectivos programas em várias ocasiões diante dos militantes socialistas, e foram debates genuínos, por vezes até crispados (não da parte de Ségolène, que é a calma em pessoa). O resultado é conhecido, Royal ganhou à primeira volta com mais de 60% dos votos dos militantes. Esta vitória deu, para além de uma autêntica legitimidade, um impulso para uma dinâmica de vitória à campanha de Ségolène, projectou-a como uma candidata com reais possibilidades de ganhar as eleições. A realização de primárias no seio do próprio partido, bastante rara na Europa (ao contrário dos E.U.A. - esperemos que a moda pegue), foi antes de mais uma estratégia da direcção do PSF e particularmente de François Hollande, e é a ele que deve ser dado o mérito, se bem que todos os candidatos tenham aderido de bom grado. Para além de permitir o debate democrático no interior do partido, neste caso particular teve ainda outra consequência que pode vir a ser importante para o decorrer da campanha: milhares de novos militantes aderiram ao PSF agradados com a ideia de poder participar na escolha do candidato às presidenciais. Isto é uma verdadeira benção para um partido que quer por uma máquina de campanha em marcha e mobilizar os militantes para uma eleição que se adivinha difícil.
Nas últimas sondagens Ségolène Royal continua a subir na intenção de votos à primeira volta, e consegue numa segunda volta recolher mais votos do que o somatório da esquerda na primeira, o inverso de Sarkozy.



P.S. - O que eu não percebo é que se diga ou insinue, por manifesta misoginia, que o maior talento político de Ségolène é a sua beleza, ainda para mais ela nem muito bonita.

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sexta-feira, janeiro 05, 2007

Citações (I)

"Remember that truth alone is the matter that you are searching after; and if you have been mistaken, let not vanity seduce you to persist in your mistake."

Henry Baker, in The Microscope Made Easy (1742)


tradução (minha):"Lembra-te que a verdade e apenas a verdade é o objecto que procuras; e se tiveres errado, não deixes que a vaidade te seduza a persistir no teu erro"

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quinta-feira, janeiro 04, 2007

Pequenos pormenores...

Toda e qualquer morte de um ser humano é lamentável, mesmo a do mais sanguinário dos ditadores. Toda e qualquer condenação à morte é um erro, mesmo a do mais sanguinário dos ditadores, sobretudo a do mais sanguinário dos ditadores. Não dar ao ditador o mesmo tratamento que ele deu às suas vítimas seria uma demonstração de superioridade moral da nova ordem que se quer democrática, livre e justa. Pelo contrário as novas instituições iraquianas, e por arrastamento o aliado/invasor americano, pelo tratamento indigno que deram a Saddam Hussein rebaixaram-se ao seu nível. A pressa com que quiseram executá-lo, findo o julgamento, relembrou-me a execução de Ceausescu. Concordo portanto inteiramente com este post do Ivan Nunes no 5dias. Não tenho quase nada a acrescentar senão um pequeno pormenor que não sendo propriamente chocante não deixa de me surpreender, e na minha opinião reveste-se de um enorme simbolismo. Os homens que executam Saddam nem sequer estão fardados. É uma convenção (digo eu) universal: em qualquer lugar onde há um Estado (e não digo Estado democrático, digo Estado simplesmente) os agentes encarregues de fazer cumprir a lei em nome desse Estado têm uma farda que os identifica como representantes desse Estado. Sendo a execução do antigo ditador um momento crucial na fundação de uma nova ordem no Iraque, seria de esperar alguma solenidade. Pelo contrário, temos um tratamento indigno do condenado, com impropérios e gritos de alegria de homens encapuçados, num ambiente austero entre paredes de betão, filmado por um amador com telemóvel. Quem não soubesse tratar-se de Saddam Hussein poderia pensar que as imagens eram antes da execução de um refém ocidental por uma célula da Al-Qaeda no Iraque.
Atendedo aos pequenos pormenores esta execução dá uma péssima imagem de um governo que quer dar apresentar-se como democrático e legítimo representante de todos os iraquianos.

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quarta-feira, janeiro 03, 2007

Será que em 2007...?

- As mulheres portuguesas vão puder escolher, e praticar a interrupção voluntária da gravidez em condições de segurança e higiene, sem receio de serem presas?

- Os EUA vão sair do Iraque e entregar um país estável, sem atentados, a um governo democraticamente eleito?

- A União Europeia vai sair do marasmo pós-constituição e retomar o processo de integração?

- Israelitas e Palestinianos vão chegar a um acordo para por termo ao conflito, e viver ambos em paz e com dignidade?

- Uma mulher moderadamente à esquerda vai ser eleita presidente da república em França? Ou será um homem desmesuradamente à direita?

- As emissões de CO2 vão diminuir? E a temperatura vai descer?

- Vão ocorrer progressos significativos na investigação com células estaminais?

- O novo secretário geral da ONU vai estar à altura do seu predecessor?

- Cavaco Silva vai dizer ou fazer alguma coisa de substancial?

Ou sou um optimista ou é da época, mas acho que grande parte destas questões vão ter respostas positivas (se bem que de Cavaco já não espero nada).

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sábado, dezembro 30, 2006

Umas boas entradas, e não só...

Desejo a todos os leitores, para a o último jantar do ano, que tenham não apenas umas excelentes entradas, mas também excelentes aperitivos, excelentes pratos, excelentes sobremesas, excelentes vinhos e tudo o mais no menú. Assim por exemplo:

Aperitivo
Cocktail de salsichas do mundo

Entradas
Vieiras em molho de echalottes

Prato Principal
Vitela assada no tacho à francesa

Sobremesa
Cheesecake de Caramelo

Vinho
Bordeaux Château Sante Marie

Acabem o ano velho em beleza para começar o ano novo em Grande!

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Assim em jeito de balanço

O ano de 2006 foi em termos pessoais muito interessante, para além do muito da minha vida privada que vou poupar aos leitores, este ano ensinou-me pelo menos uma lição. Na realidade já desconfiava há uns tempos. Quando regressei temporariamente à pátria Lusa, depois de quatro anos de exílio no Pacífico Noroeste, a primeira coisa que me saltou à vista foi a tez morena das gentes da minha terra. Dei por mim a pensar "Estes gajos são mesmo escuros... quer dizer SOMOS mesmo escuros". Este ano, depois das viagens a África e às Caraíbas, tive a certeza para além de qualquer refutação razoável: nós portugueses somos pretos (cf. Araújo-Pereira, 2006), brancos são os suecos.

Bibliografia
Araújo-Pereira, R. "Orgulho 'beige'", Visão, 23 de Junho 2006, pp 153 (PDF aqui)

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quinta-feira, dezembro 28, 2006

Que parte da palavra de "Laicidade" é que ele não percebe?

A semana passada, nos seus votos de Natal, o papa Ratzinger voltou a condenar veementemente o casamento homossexual. À partida parece-me muito bem que o papa se manifeste contra a possibilidade do casamento religioso católico ser aberto aos homossexuais, é completamente coerente com a doutrina apostólica romana. Se bem que me surpreenda que o papa se preocupe com o assunto, nunca me chegou ao conhecimento que houvesse um movimento importante favorável ao casamento católico para os homossexuais. Continuando a ler a notícia percebe-se que a preocupação do papa são afinal as "teorias funestas" favoráveis ao casamento homossexual civil, que actualmente se discute particularmente em Itália mas também noutros países europeus. Ora aí temos um problema, e é um problema recorrente, este papa teima em não perceber (ou não aceitar, o que é ainda mais grave) o princípio de separação da religião e do estado. O direito dos homessexuais a um casamento civil é um assunto que diz respeito às intituições políticas, não à igreja católica. Haverá um modo de lhe explicar que o laicismo é um dos pilares da democracia?

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segunda-feira, dezembro 25, 2006

Um minuto de silêncio


James Brown (3 de Maio de 1933 - 25 de Dezembro de 2006)

Conseguiu ser, entre outras coisas, um monstro do palco até ao fim.

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sábado, dezembro 23, 2006

Pequenas perguntas sem importância (II)

Se eu acrescentar à tradicional portuguesinha receita de "Pastéis de Bacalhau" um Piment das Antilhas bem picante, isso é um atentado às tradições seculares ou uma inovação culinária?

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sexta-feira, dezembro 22, 2006

Alive & Kickin'

A princípio fico meio perplexo ao ler esta excelente entrevista dada pelo Miguel Esteves Cardoso ao José Mário Silva, nem sei muito bem o que pensar. Seja como for não consegui evitar ler do princípio ao fim, e a primeira conclusão é óbvia: O MEC está bem vivo, e recomenda-se!

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