quarta-feira, setembro 20, 2006

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Ser mulher é bom mas não chega

As eleições presidenciais francesas do ano que vem vão ser importantes não só a nível interno, mas também, e muito, a nível europeu. Agora que a Europa está parado, depois dos resultados dos referendos à Constituição em França e na Holanda, a eleição do próximo presidente em França pode estabelecer um novo equilíbrio de forças capaz desbloquear a situação (ou bem pelo contrário, dependendo do eleito). Objectivamente a vitória do "Não" em França e na Holanda foi muito mais uma vitória de quem não simplesmente não queria a construção europeia, do que de quem queria uma outra Europa (com uma outra Constituição), ou seja uma vitória muito mais do "Não" de direita do que do "Não" de esquerda. Se a situação continuar, o actual bloqueio pode tornar-se permanente, o que me parece que é o que vai acontecer se o próximo presidente francês for de direita.

A escolha do candidato presidencial do PS francês é por isso de grande importância para toda a esquerda europeia, se quiserem retomar o processo de construção europeia. Acima de tudo o candidato do PS tem que ser capaz de derrotar o mais que provável candidato da direita, Nicolas Sarkozy (que por estes dias se entretém a anunciar na televisão que vai expulsar de imediato 23mil imigrantes com filhos escolarizados). A candidata que aparece à frente de todas as sondagens, do lado dos socialistas, é Ségolène Royal. Confesso que depois do Chile, da Libéria e da Alemanha (talvez um mau exemplo) muito me agradaria ver uma mulher presidente de França, ou dos EUA (Hilary?), mas ser mulher por si só não chega. NA minha opinião Ségolène tem a seu favor, para além da imagem de tranquilidade e competência, vários pontos. Primeiro, contrariamente ao que dizem os detractores tem ideias, e algumas até polémicas, como por exemplo ter na sala de aula para além do professor um outro educador responsável pela disciplina. Segundo não segue a agenda mediática, e não anda atrás da actualidade, apresenta as suas propostas quando acha conveniente, marca ela própria a sua agenda política. Usa meios originais em política para apresentar as suas propostas, nomeadamente a internet, o que teve bastante impacto e mostra uma política com ideias novas.

Tem contra ela vários pontos também. Politicamente alinha claramente ao centro, numa onda Blairista tipo revivalismo da terceira via, alguns dirão que é um ponto a favor, eu não. Depois, e acho que é a sua grande falha, não debate. Houve a "Universidade de Verão" do PS há poucas semanas, e Ségolène recusou a prova de fogo de responder às perguntas dos militantes da Juventude Socialista. Foi a única dos candidatos e putativos candidatos à nomeação presidencial socialista que recusou esse debate. E não é um caso único, quando as suas posições são atacadas, nomeadamente distorcidas pela direita, não vem a público defender-se, pelo menos de forma convincente, e daí as acusações de não ter ideias. Num frente a frente com Sarkozy, não me custa a imaginar um Sarkozy agressivo que consiga desacreditar fortemente Ségolène. Mais ainda ainda, até hoje ainda não deu uma entrevista de fundo, num jornal, televisão, ou rádio, a vir apresentar-se para o combate político, ainda não fez críticas que se ouvissem aos candidatos da direita. O grande trunfo que Ségolène tem neste momento são as sondagens, mas as sondagens em França, em particular para as presidenciais, e a esta distância das eleições tem uma longa tradição de se enganarem: os favoritos não costumam passar à segunda volta, foi Jospin (era favorito empatado com Chirac) há cinco anos, Edouard Balladur em 1995, antes ainda Raymond Barre em 1988, e Giscard d'Estaing em 1981 (se bem que tenha passado à segunda volta). As sondagens neste momento não podem ser o factor de escolha do candidato da esquerda, tem que ser o perfil e o projecto político, e aí tenho dúvidas que Ségolène seja a melhor escolha.
P.S. - Entre Ségolène Royal e Lionel Jospin, preferia Jospin, que acredito se vá candidatar, mas entre Ségolène e qualquer dos outros preferiria provavelmente Ségolène.

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