sábado, abril 29, 2006

A Música do CPE: o direito ao contraditório

Contrariamente ao que possa ter parecido, não é a posição oficial do CPE (Contrato Põe Esta) que seja uma questão de preguiça. Há uma outra maneira de ver a coisa, pode ser simplesmente a falta de sorte, o destino. É essa outra visão que nos canta (ali na coluna da direita) o Zeca Baleiro, "Até o Fim" com letra e música de Chico Buarque.


Até o Fim
Letra e Música: Chico Buarque

Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
"inda" garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão , eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim
Em bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim
Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, a minha mula empacou
Mas vou até o fim
Não tem cigarro acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim ?
Eu já nem lembro "pronde" mesmo que eu vou
Mas vou até o fim
Como já disse um anjo safado
O chato do querubim
Que decretou que eu estava predestinado
A ser todo ruim
Já de início a minha estrada entortou
...


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De que falamos quando falamos de Globalização?



Há cerca de um ano estreou por aqui o documentário "Le Cauchemare de Darwin" (O Pesadelo de Darwin), realizado por Hubert Sauper. Vi o filme no Verão passado (em muito boa companhia, no simpaticíssimo "La Clef", ali para os lados de Censier-Daubenton), achei-o excelente e aconselho vivamente. Trata de uma questão muito específica, a pesca da Perca do Nilo no Lago Victória, particularmente na cidade de Mwanza, na Tanzânia. A Perca do Nilo terá sido introduzida no Lago Victória nos anos sessenta e causou um desastre ecológico devido à forte predação que esta espécie exerce sobre as espécies autóctones. Depois vem o desastre económico associado à pesca da Perca do Nilo, em que os beneficiários são o ocidente que come o grosso da produção a preços convidativos, e uma pequena minoria local nomeadamente alguns industriais da transformação do pescado. É também sugerido e não mostrado que há um tráfico de armas associado ao comércio do peixe (já lá volto). Mostra-se ainda que o ocidente, e em particular a União Europeia, através de "programas de apoio ao desenvolvimento" fomenta esta economia. O filme expõe toda uma miséria associada à economia da Perca do Nilo. Essa economia conduz ao abandono da agricultura pelos que procuram um emprego na pesca, inflaciona o preço dessa mesma Perca no mercado local apesar de ser um recurso abundante, e fomenta indirectamente a prostituição e a disseminação da SIDA.

O que é excelente neste documentário é que ele dá um exemplo concreto do que é a globalização. É fácil falar de globalização e dizer que o ocidente está a explorar o "terceiro mundo" (o que quer que isso seja). Mas sem saber o que isso significa em concretamente a discussão é estéril. Este filme mostra de maneira bem fundamentada um exemplo concreto do que é a globalização. E é isso mesmo, apenas um exemplo. É óbvio que a globalização não é só a Perca do Nilo em Mwanza (por exemplo quando estive no Congo era o Forrest), mas este é um exemplo que é dissecado em pormenor, e o filme vale por isso. Enfim, um verdadeiro documentário.

Houve, mais recentemente, uma polémica relativamente a este filme (pode ler-se na wikipedia um resumo dessa polémica). Basicamente François Garçon que se apresenta como historiador, mas que é também empresário na área da publicidade, contesta a honestidade do documentário em vários pontos. O único argumento forte de Garçon é o de que uma grande parte da Perca do Nilo (74%) não é exportada, e que 40% é consumida localmente. Do que li e das pesquisas que fiz não descobri de onde vêm esses números, não sei o que é que é medido (40% de quê?), mas Sauper mostra no filme que de facto há uma parte do peixe que é consumido localmente, restos do peixe transformado em fábrica consumidos em condições sub-humanas. Serão esses os 40% de que fala Garçon? Contudo a ideia de que a Perca é exportada massivamente para o Ocidentede é facto um ponto central do filme, se isso não é verdade então o filme é realmente enfraquecido. O restantes argumentos de Garçon são fracos. Acusa Sauper de mostrar apenas uma parte da realidade, ora como é óbvio esse é sempre o caso, há sempre uma outra parte muito maior que simplesmente não é o objecto do documentário. Garçon acusa Sauper de não ser imparcial, e cita números de instituições como o Banco Mundial, que a respeito de globalização estão longe de ser isentas. Finalmente Garçon critica a acusação implícita de haver um tráfico de armas associado ao comércio da Perca, quando nunca são exibidas provas. Por um lado é óbvio que os entrevistados (nomeadamente a tripulação dos aviões suspeitos de transportar as armas) nunca iriam assumir perante as câmeras o tráfico de armas, Sauper foi até onde podia. Por outro Sauper mostra simplesmente os indícios de que dispõe, e sugere o que pensa que acontece, depois é ao espectador que compete julgar se os indícios são convincentes ou não, Sauper deixa isso ao critério do espectador (eu, espectador, agradeço). Acho sempre muito bem, sem qualquer ironia, qualquer crítica minimamente honesta, como acho que é a de Garçon (discordo mas não me parece de todo desonesta), mas neste caso confesso que a minha opinião sobre o filme mudou muito pouco, fiquei a gostar apenas mais um bocadinho.

Finalmente há uma qualidade mais geral que também gostei muito. O filme foge ao maniqueísmo fácil do "Ocidente = Maus, África = Bons". A mensagem é a de que não há inocentes. Fica bem claro que há uma classe de políticos Africanos que trocam recursos por guerra, e que têm por isso uma fatia jeitosa no bolo da responsabilidade pela situação.

(O Libération pôs Hubert Sauper e o François Garçon frente a frente, infelizmente o link já não está disponível, a não ser para pagantes)


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quinta-feira, abril 27, 2006

Ainda alguém se lembra de Zyed e Bouna?

Zyed e Bouna são os nomes próprios dos dois adolescentes que morreram electrocutados em Clichy-sous-Bois, em Novembro do ano passado, quando fugiam à polícia. A morte de Zyed e Bouna foi a causa próxima que desencadeou os motins do Outono passado nos subúrbios das grandes cidades francesas, com a excepção de Marselha. Até hoje não foram apuradas responsabilidades por estas mortes.
São agora as suas famílias, mais a família de Muhitin (que sobreviveu à electrocussão) que movem uma acção junto do ministro do interior para apurar responsabilidades.
Destaque-se que um inquérito judiciário apurou que, contrariamente às primeiras versões oficiais, incluindo do próprio governo, Zyed e Bouna não eram ladrões apanhados em flagrante, tinham ido tão somente jogar à bola para uma freguesia vizinha. Há indícios de que a polícia não agiu, como era sua obrigação, em socorro dos jovens quando estes corriam perigo. Tal como há indícios de que a polícia usou meios desproporcionados na perseguição tendo em conta que não foi cometido nenhum crime, tendo em conta a idade dos perseguidos, tendo em conta que estavam nas imediações de uma central eléctrica...

Relembro um slogan que apareceu nas T-shirts dos amigos de Zyed e Bouna nos dias que se seguiram à sua morte: "Morts pour rien" (Mortos para nada).


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Cavaco não levava um Cravo na lapela

Acho muito bem! A credilbilidade do Cravo continua intacta.


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quarta-feira, abril 26, 2006

Qual é o problema da Clonagem?

Parece que na blogosfera há pouca gente a debater os pareceres do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Pois aqui vai o meu contributo para a discussão do Parecer da CNECV sobre clonagem humana (em documento PDF), a que cheguei através deste post no Conta Natura.

Antes de mais concordo com o Santiago quando diz que dificilmente o CNECV poderia ter ido mais longe, uma vez que não há um consenso alargado nesta matéria. Mas importa saber porque é que não há consenso nesta matéria. E também não é demais lembrar que a clonagem não é por enquanto tecnicamente possível, esta é uma discussão sobre potenciais problemas futuros. Na minha opinião o Parecer é, de facto, globalmente equilibrado. Veja-se por exemplo a prudência manifestada em relação às células estaminais, não deixando de incentivar a investigação nessa área (ponto 4). O ponto 3, a respeito do uso da clonagem para fins de investigação biomédica também é razoável, mas parece é que não houve consenso sobre o que é o produto de transferência nuclear somática. A mim parece-me que se um ovócito (ou "óvulo") recebe um núcleo diploide (quer isto dizer que tem tantos cromossomas como uma célula adulta) passa a ser um embrião. Ainda para mais tem o potencial, ainda que reduzido, para originar um ser adulto.

O que já não concordo é com o ponto 2: "Independentemente da viabilidade da clonagem com finalidade reprodutiva, esta deve ser proibida porque viola a dignidade humana". Porque é que a clonagem com finalidade reprodutiva viola a dignidade humana? A resposta do CNECV está no Relatório que acompanha o Parecer.

"Afirma-se então que a produção de um clone ameaçaria a identidade singular e irrepetível constitutiva de todo o novo ser humano e implicaria a sua instrumentalização, não só pelo processo mas sobretudo pela finalidade da sua produção, infringindo assim as principais regras por que o princípio da dignidade humana se especifica, respectivamente: a do respeito pela identidade do ser humano e a da sua não instrumentalização." (secção III, 1.2.1.1)

Lamento mas discordo, e curiosamente as razões porque discordo estão elas também expostas (pelo menos em larga medida) no próprio Relatório, quando são passados em revista os argumentos contra e favor (neste aspecto, como noutros, é muito interessante e sobretudo útil ler o relatório). Simplesmente não concordo que um ser humano por ser uma cópia genética de outro deixe de ter a sua própria individualidade. Basta pensar nos gémeos univetilinos (gémeos "verdadeiros") que são o exemplo mais perfeito de clones genéticos que a natureza nos dá. E atenção não estou de todo a usar o argumento do Naturalismo Moral, não é por algo ocorrer na natureza que o Homem o pode repetir, estou apenas a usar o exemplo dos gémeos para demonstrar que ser geneticamente idêntico não implica a perda da individualidade. Dois gémeos univitelinos não só são geneticamente como partilham uma série de factores ambientais: o mesmo útero, normalmente o mesmo ambiente familiar, social, económico, cultural e histórico, bem como toda uma série de experiências pessoais que influenciam a formação do indivíduo. Ainda assim são indivíduos diferentes, únicos, irrepetíveis. Sendo assim um clone de alguém, que é assim como um gémeo mas que nasce trinta anos mais tarde (ou mais, ou menos...) e que por isso partilha muito pouco do ambiente que partilham os verdadeiros gémeos, será naturalmente um indivíduo diferente daquele a partir do qual foi clonado.

Discordo da proibição pura e simples da clonagem com finalidade reprodutiva proposta pelo CNECV, porque não é a clonagem em si mesma que apresenta problemas éticos mas sim a intenção com que essa clonagem é feita. Quando o parecer refere, na citação acima, a "finalidade da sua produção", fala de um problema que se pode resolver com regulamentação e não com a proibição. A clonagem com finalidade reprodutiva pode ser a solução para o problema de alguns casais inférteis, e sendo essa a "finalidade" o uso da clonagem parece-me perfeitamente aceitável do ponto de vista ético.


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Sarko à caça nos terrenos de Le Pen

Agora que se vai discutir a nova lei da imigração da lavra de Sarkozy, vale a pena ler este artigo no Libération, ou este do Le Monde, sobre como esse mesmo Sarkozy quer captar o eleitorado de extrema-direita Le Pen e Villiers. A novidade é só que ele já nem o esconde, nas suas próprias palavras quer ir buscar esses eleitores "um por um".


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terça-feira, abril 25, 2006

O dia de Hoje tem

um Símbolo, uma Música e um Herói.







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sábado, abril 22, 2006

Econtro de culturas

Encontro de culturas não é só no Gevaudão, também pode ser nos subúrbios, as banlieues.
No fim-de-semana passado fui ao baptizado do mais recente membro da família campeã da diversidade genética (de que eu tenha conhecimento). Senão vejamos, G. filha de mãe malgaxe e pai bretão é casada com J. filho de pai argelino e mãe da Guadaloupe. Não esquecendo que malgaxes e antilheses são já de si bem ricos em diversidade genética, mais que isto é de facto difícil. G. e J. têm três crianças, por sinal lindíssimas, todas. Ora a festa de baptizado fez-se num salão pré-fabricado da Mairie, e como seria de esperar os convidados eram das aparências mais variadas. Desenganem-se os que esperariam indumentárias folclóricas e discursos solenes a apelar à tolerância, ou a enaltecer as virtudes da diferença. Nada disso. As fisionomias, sim, eram variadas; do lado malgaxe, uns pareciam do leste da Ásia outros da Índia, do lado das Caraíbas, uns mais escuros outros mais claros. E ainda havia mais gente, uns parisienses, um indiano e um francês judeu amigos do padrinho, e eu nem sequer era o único português. Mas no fim eram só pessoas. Nem se podem dizer que fossem diferentes uns dos outros porque nem se consideram diferentes uns dos outros. Falar-lhes em diferenças culturais seria a coisa mais despropositada e absurda que se poderia imaginar. Tudo gente muito bem disposta e informal, e uma festa de baptizado como as outras. Houve comida, que se poderia considerar exótica, mas só por quem nunca comeu fora de casa. E depois a música, muita música, a cargo de uns DJs locais com uma aparelhagem potente. 10 horas de música mais tarde, com muito Latin Jazz, muito Zouk, muito techno das Caraíbas, a coisa ainda mexia. Mexia sim, porque a música dança-se. Diferente, talvez, para quem não conhece. Mas também não é grave, o belo-pai dá lições de Zouk (lição 1 - "Ne bouge pas la tête.", lição 2 - "Tu sais marcher?, bah marche!", lição 3 - "C'est pas le bras qui bouge.", curso avançado - "Glisser sans sauter." - chumbado ). Sim a dança, pais dançam com filhas e mães com filhos, sem complexos púdicos, e as crianças começam aos três anos (depois digam-me que é genético...).
Enfim, para haver encontro de culturas só preciso haver pessoas de culturas diferentes.


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sexta-feira, abril 21, 2006

Nem pensar nisso!

No Público ou no DN?Não... No blogue é que tem piada!


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quarta-feira, abril 19, 2006

CPE no Nordeste

Ao abrigo do Contrato Põe Esta que é espectacular, esta semana não nos afastamos muito da escolha anterior, geograficamente falando, claro. Temos o "Ai d'eu sôdade (ABC do preguiçoso)", tema folclórico nordestino tirado deste albúm. Está aí a letra para ler e a música para ouvir (ali na coluna da direita). Não há nada mais que eu possa dizer que a música não diga por si própria.





Ai d'eu sôdade (ABC do preguiçoso)

Marido se alevanta e vai armá um mundé
Prá pegá uma paca gorda prá nóis comê um sarapaté
Aroeira é pau pesado num é minha véia
Cai e machuca meu pé e ai d´eu sodade
Entonce marido se alevanta e vai na casa da sua avó buscá
A ispingarda dela procê caçá um mocó
Só que no lajedo tem cobra braba num é minha véia
Me pica e fica pió e ai deu sodade
Entonce marido se alevanta e vai caçá uma siriema
Nóis come a carne dela e faiz uma bassora das pena
Ai quem me dera tá agora num é minha véia
Nos braço de uma roxa morena e ai d´eu sodade
Sujeito alevanta e vá na venda do venderão
Comprá uma carne gorda prá nois comê um pirão
É que eu num tenho mais dinheiro num é minha véia
Fiado num compro não e ai d´eu sodade
Ô marido se alevanta e vai na venda do venderim
Comprá deiz metro de chita prá fazê rôpa pros nossos fiim
Aí dentro tem um colchão véio num é minha véia
Desmancha e faiz umas carça prá mim e ai d´eu sodade
Disgramado te alevanta deixa de ser preguiçoso
O homi que num trabáia num pode cumê gostoso
É que trabáiá é muito bom num é minha véia
Mas é um pouco arriscoso e ai d´eu sodade
Ô marido se alevanta e vem tomá um mingau
Que é prá criá sustança prá nóis fazê um calamengal
Brincadêra de manhã cedo num é minha véia
Arrisca quebrá o pau e ai d´eu sodade
Marido seu disgraçado tu ai de morrê
Cachorro ai de ti lati e urubu ai de ti cumê
Se eu subesse disso tudo num é minha véia
Eu num casava cum ocê e ai deu sodade


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terça-feira, abril 18, 2006

A fotozinha do Turista


(mais um diálogo esquisofrénico de mim para comigo mesmo)

- Pois, falas dos turistas assim com esse desdém, e depois vais "só" ao local mais turístico do mundo tirar fotografias.
- Quer dizer, Ella é que queria ir...
- ...e obrigou-te...
- Não, não me obrigou, eu faço muito gosto em fazer-lhe a vontade.
- Sim, mas não gostaste de ir.
- Gostei, claro que gostei, até é mais giro à chuva e tudo.
- Então para que é que estás com coisas que Ella é que queria ir?
- Não é isso, é que aproveitamos para ir conhecer a Bretanha, e eu até tinha trabalho em Rennes...
- E assim como quem não quer a coisa, já que estamos ali vamos ao passeio do turista..., é isso?
- Sim, mais ou menos.
- Mas é alguma vergonha dizer que andaste no meio de turistas japoneses que até pediram para lhes tirar uma foto?
- Não, não é vergonha nenhuma, mas há outros sítios que são mais interessantes.
- Olha-m'est'agora! 'tás_armado em quê hein? Em intelectual de esquerda burguês?
- ...(-suspiro-) já cá faltava o burguês...


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Morreu o CPE. E agora?

Para ser um bocado cínico, espero que agora não façam nada. Claro que há problemas graves para resolver, mas simplesmente não é este governo, nem nesta maioria (não são de todo a mesma coisa) que vão resolver o que quer que seja. É uma boa altura para começar a pensar em soluções e a discutir, mas a acção, é bom que fique para mais tarde.

Tem-se escrito na blogosfera portuguesa sobre o CPE, e sobretudo o fim do CPE, a começar por vários posts do André na Garedelest, por exemplo outros que li este no véu da ignorância, este dos bichos carpinteiros, este e este do kontratempos, e este no fuga para a vitória (e para mais posts experimentem fazer uma pesquisa google com CPE nos blogues em português). Parece mais ou menos consensual que é a esquerda quem agora tem que propor em alternativas. Mas não é a esquerda quem está no poder, nem é seguro que venha a estar no futuro próximo. Mais ainda, a revolta do CPE foi uma revolta que partiu dos estudantes, e a que os sindicatos e o PS aderiram, e bem. De facto a esquerda, particular o PS, têm agora uma oportunidade de fazer a propostas e assumir a diferença. Como dizem por aqui "prendre le relai" (qualquer coisa como "tomar a dianteira"), com as presidenciais de 2007 como objectivo.

Na minha visão simplista e ingénua, o CPE traduz uma política que do ponto vista económico pretende aumentar a precaridade, fomentar a mão de obra não-qualificada, e níveis de desemprego relativamente elevados para manter os salários baixos. É simplesmente uma política terceiro-mundista para aumentar a competitividade das empresas. E de caminho também se vai asfixiando a protecção social. Políticas destas não são boas nem no terceiro mundo (onde quer que ele seja) nem em lado nenhum.

Pelo contrário, a esquerda pode apresentar como alternativa uma política de qualificação, e de inovação e desenvolvimento (I&D) como forma de aumentar a competitividade, apoiado num sistema de segurança social forte e eficaz. Isto leva a uma valorização dos salários, e aumento da produtividade. E não é com a direita no poder que vão aparecer estas políticas, não é de agora, nem começa com o CPE. Por exemplo já há dois anos que o governo, na altura liderado por Rafarin, entrou em guerra com os investigadores, por querer simplesmente reduzir as verbas para a ciência (qual estratégia de Lisboa, qual quê), sendo que a França já tem um investimento em ciência abaixo da Alemanha ou dos países do Norte da Europa (talvez mesmo abaixo da média europeia). E já na altura dos motins de Novembro passado Villepin avançou com ideia de diminuir a idade de entrar para o ensino técnico-profissional (apprentissage) de 16 para 14 anos. Não ajuda nada ao problema da violência, mas aproveita-se para desinvestir na qualificação profissional.

Claro que há problemas para resolver. Como é que, no sistema actual, se consegue que funcionários que têm a vida até garantida ao fim da reforma sejam produtivos? Como tocar nos direitos adquiridos? E aqui eles são vistos como de facto intocáveis, mas também é óbvio que quando direitos adquiridos se transformam em privilégios é preciso tocar-lhes. E como assegurar a viabilidade da segurança social numa população em envelhecimento (e em França não é tão grave como em quase toda a Europa)? Mas não é o CPE que vai resolver estes problemas, pelo contrário, nem é este governo. O melhor que podem fazer é não fazer nada.


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sábado, abril 15, 2006

Chegou a Primavera...

...e com ela os bandos de turistas que na sua migração sazonal encontram poiso na rue Moufftard.


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sexta-feira, abril 14, 2006

Última hora: Gardelest e Agreste Avena assinam CPE

Este vosso blogue Agreste Avena iniciou uma pareceria com o ilustre bistro Garedelest com vista a combater a precaridade musical no panorama actual da blogosfera tuga. Assinámos um acordo denominado CPE - Contrato Põe Esta que é espectacular. Esta pareceria começou quando pedi ao patrão do tal bistro um parecer técnico relativo à botadura de música nesta casa. A partir daí surgiram sinergias, reuniram-se comissões, equacionaram-se formulas, fizeram-se estudos, tomou-se a inciativa, fizeram-se opções, foram tomadas decisões e finalmente surge esta solução.

Então ora a aqui vai a primeira música ao abrigo do CPE:


Nem de propósito (claro que é de propósito!), a primeira música é um samba em jeito de provocação de Gilberto Gil, que veio à baila por causa de um post que o André escreveu na praia. Eu até gostava de ter posto este samba num post anterior, mas na altura ainda existia esta pareceria, os problemas técnicos não estavam resolvidos.


De Bob Dylan a Bob Marley - um samba-provocação
música e letra: Gilberto Gil
1989

Quando Bob Dylan se tornou cristão
Fez um disco de reggae por compensação
Abandonava o povo de Israel
E a ele retornava pela contramão

Quando os povos d'África chegaram aqui
Não tinham liberdade de religião
Adotaram Senhor do Bonfim:
Tanto resistência, quanto rendição

Quando, hoje, alguns preferem condenar
O sincretismo e a miscigenação
Parece que o fazem por ignorar
Os modos caprichosos da paixão

Paixão, que habita o coração da natureza-mãe
E que desloca a história em suas mutações
Que explica o fato da Branca de Neve amar
Não a um, mas a todos os sete anões

Eu cá me ponho a meditar
Pela mania da compreensão
Ainda hoje andei tentando decifrar
Algo que li que estava escrito numa pichação
Que agora eu resolvi cantar
Neste samba em forma de refrão:

"Bob Marley morreu
Porque além de negro era judeu
Michael Jackson ainda resiste
Porque além de branco ficou triste"


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Da caixa de SPAM: Boa Páscoa!



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quinta-feira, abril 13, 2006

Foi você que pediu um QI?

Ultimamente tem havido razões para voltar a falar da velha questão de saber se a inteligência é determinada geneticamente ou não. Primeiro foi o trabalho risível, do ponto de vista científico de uma tal Prof. Lynn que deu direito a um artigo no Times online (a que cheguei através deste post do Conta Natura). Não vale muito a pena falar disso, excepto que eu gostaria de saber porque é que são "cientistas" destes que têm direito a aparecer nos jornais, como o Times.

Depois aparace outro artigo de Shaw et al na Nature de 30 de Março, com bastantes destaque. Teve direito a (links para assinantes) uma notícia e um comentário. E, de facto quando artigo aparece numa revista como a Nature tem, à partida, outra credibilidade. Convém dizer já de início que este artigo não aborda sequer a questão da componente genética da inteligência. Procura apenas encontrar características da anatomia do cérebro que estejam relacionadas com a inteligência. No futuro poder-se-ão, talvez, encontrar factores genéticos que controlem essas características anatómicas, e assim a inteligência.

Quando se discute se a inteligência determinada geneticamente ou por factores ambientais, é bom lembrar que um e outro não são mutuamente exclusivos. Não há dúvidas que factores ambientais, particularmente a educação influenciam a inteligência. Provavelmente há uma interacção, mais até do que uma simples adição, entre esses factores genéticos ambientais. Mas será que dois indivíduos sujeitos ao mesmo ambiente podem desenvolver inteligências diferentes consoante os seus genes? Confesso que gostaria que se viesse a demonstrar que os factores genéticos não são limitantes. Mas o que cada um gostaria que fosse a resposta é muito pouco, ou nada relevante. Para se chegar a uma resposta, num sentido ou noutro, são necessários os dados empíricos. E os trabalhos que se fizerem devem ser analisados e criticados numa base científica, e não numa base ideológica (o que não raras vezes é caso, quando se trata deste assunto).

Lendo o artigo de Shaw et al (pode ver-se aqui o resumo, e também um comentário neste post do Conta Natura), a questão é de saber se se demonsta uma correlação entre características anatómicas do cérebro e a inteligência. Intelgiência é um conceito vago e ambíguo, logo por definição uma variável impossível de estudar. O que os autores estudam como indicador da inteligência é o QI (queficiente de inteligência). Não vou aqui discutir se o QI mede efectivamente a inteligência ou não, é uma assunto sobejamente discutido (e nunca concluído), aceite-se que sim. E de facto, pelo que consigo ler, o artigo é convincente (disclaimer: sou biólogo mas não sou especialista, conheço algum do jargão mas não consigo ler tudo o que está escrito em "letras pequenas"). A amostra é grande (mais de 300 indivíduos), a análise é exaustiva, e os métodos estatísticos parecem ser utilizados cuidadosamente (mas disso então é que eu percebo pouco). O que o artigo conclui é que a inteligência está correlacionada com o aumento da espessura do córtex do cérebro. O córtex é, por assim dizer, a parede ou parte exterior do cérebro, que é onde estão a grande maioria das células nervosas. Ou seja não é pelo cérebro ser grande, ou o córtex espesso que uma criança vai ser inteligente, mas sim se a espessura do córtex aumentar significativamente no fim da infância.

Voltando à questão inicial, estes resultados sugerem que a inteligência é determinada principalmente pelos genes? Não me parece de todo! Pode até imaginar-se (e os autores referem algo parecido) que o cérebro é como os músculos, muito exercício faz aumentar a massa muscular, e diminuir o pneuzinho. É possível que este aumento na espessura do córtex cerebral seja um resultado do exercício intelectual. Aliás os artigo também refere que nas crianças estudadas há uma correlação entre a inteligência e o nível socio-económico. Será que o nível socio-económico também é determinado geneticamente? Ou será a inteligência (e indirectamente, a o desenvolvimento anatómico do cérebro) um resultado do estatuto socio-económico?


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terça-feira, abril 11, 2006

A la fin de l'envoi, je touche!

Ella hoje saiu-se com esta "A la fin de l'envoi, je touche!", pois aqui vai a citação no seu contexto original.

in Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand

Scene 1.IV
(...)
Tableau. Cercle de curieux au parterre, les marquis et les officiers meles aux bourgeois et aux gens du peuple; les pages grimpes sur des epaules pour mieux voir. Toutes les femmes debout dans les loges. A droite, De Guiche et ses gentilshommes. A gauche, Le Bret, Ragueneau, Cuigy, etc

CYRANO
(fermant une second les yeux)
Attendez!. . .je choisis mes rimes. . .La, j'y suis.
(Il fait ce qu'il dit, a mesure)
Je jette avec grace mon feutre,
Je fais lentement l'abandon
Du grand manteau qui me calfeutre,
Et je tire mon espadon;
Elegant comme Celadon,
Agile comme Scaramouche,
Je vous previens, cher Mirmydon,
Qu'a la fin de l'envoi je touche!
(Premiers engagements de fer)

Vous auriez bien du rester neutre;
Ou vais-je vous larder, dindon?. . .
Dans le flanc, sous votre maheutre?. . .
Au coeur, sous votre bleu cordon?. . .
--Les coquilles tintent, ding-don!
Ma pointe voltige une mouche!
Decidement. . .c'est au bedon,
Qu'a la fin de l'envoi, je touche.

Il me manque une rime en eutre. . .
Vous rompez, plus blanc qu'amidon?
C'est pour me fournir le mot pleutre!
--Tac! je pare la pointe dont
Vous esperiez me faire don;--
J'ouvre la ligne,--je la bouche. . .
Tiens bien ta broche, Laridon!
A la fin de l'envoi, je touche.
(Il annonce solennellement)
Envoi.
Prince, demande a Dieu pardon!
Je quarte du pied, j'escarmouche,
Je coupe, je feinte. . .
(Se fendant)
He! la, donc!
(Le vicomte chancelle; Cyrano salue)
A la fin de l'envoi, je touche!

Acclamations. Applaudissements dans les loges. Des fleurs et des mouchoirs tombent. Les officiers entourent et felicitent Cyrano. Ragueneau danse d'enthousiasme. Le Bret est heureux et navre. Les amis du vicomte le soutiennent et l'emmenent


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domingo, abril 09, 2006

Há 50 anos o ensino era melhor?

"Ao cabo de nove ou dez noites compreendeu com certa amargura que nada poderia esperar dos alunos que aceitavam passivamente a sua doutrina, mas sim dos que arriscavam, às vezes, uma contradição razoável"
Jorge Luis Borges, As ruínas circulares, in Ficções

A propósito deste excelente post de Fernando Venâncio no Aspirina B com o qual eu discordo (quase) em absoluto.

O problema das reformas do ensino, em Portugal e em França, não é a cedência à "correcção política" nem às "pedagogias delirantes", embora as tenha havido com fartura. O problema, quanto a mim, é que as reformas nunca o foram verdadeiramente, nunca foram coerentes nem, sobretudo, consequentes. Dito de outro modo, no sistema de ensino, nunca houve um verdadeiro corte com o passado, houve mudanças na forma mas não na essência. Em França e em Portugal (e muitos outros países) princípio sempre foi, e continua a ser, o de transmitir de forma acrítica, um certa dose de conhecimentos que alguns designados iluminados decidem ser O conhecimento que os alunos precisam de aprender. E assim se passa ao ensino baseado em livros de texto, em que os alunos aprendem a memorizar, e não precisam de procurar informação. Mais importante ainda, para ter sucesso na avaliação, os alunos devem desenvolver um talento especial para adivinhar o que os professores esperam como "a resposta certa". Claro que este "conhecimento" transmitido de forma completamente cristalizada (e ainda por cima, as mais das vezes desactualizada), não serve nem ao desenvolvimento intelectual dos alunos, nem tem qualquer utilidade na sua vida futura, profissional ou pessoal.

Todas as reformas até hoje tentaram mudar, o que se vai ensinar, os programas, os conteúdos, tentaram mudar a forma da avaliar, tentaram mudar outras miudezas como a carga horária dos alunos e (não menos importante) dos professores, mas não tentam nunca mudar a maneira de ensinar.

Não sou de todo apologista de pedagogias esotéricas, pelo contrário defendo o muito mais pragmático modelo anglo-saxónico, sobretudo ao nível do ensino universitário. Muito mais do que estudar (leia-se marrar) para os exames os alunos têm que apresentar artigos ou relatórios escritos (os "papers") em diferentes formatos, ou apresentar oralmente os seus trabalhos. Na prática isto faz com que mais importante do que memorizar as matérias, os alunos se vejam permanentemente confrontados com a necessidade de saber procurar a informação, filtrar a informação relevante da irrelevante, e analisar essa informação de forma crítica. Isso sim contribui para o desenvolvimento intelectual dos alunos e é útil, quanto mais não seja como prática de trabalho, para a vida futura.

Quanto à disciplina, aquela que mais falta aos alunos é a disciplina de trabalho, ou método de estudo, e essa não muitos professores que ensinem, nem o sistema de ensino tem mecanismos para a transmitir aos alunos. Também me parece que muito pouca gente se preocupa com isso. A outra disciplina, a aceitação passiva dos regras impostas pelas hierarquias e pelas instituições, também não ajuda muito ao desenvolvimento intelectual, mas ainda há muito por aí, e se o sistema de ensino funcionasse, não era sequer necessária.

A citação de Laurent Lafforgue, embora diga muitas verdades, é um exemplo do porque é tão difícil fazer reformas em França (que também se aplica em grande medida a Portugal). Quando se tenta mudar alguma coisa, e não apenas no ensino, há imediatamente um coro de vozes, sempre descontentes, que se levanta. E mais que isso consegue sempre, pela inércia, bloquear qualquer tentativa de mudança de fundo. Se é difícil agradar a gregos e a troianos, deixa-se as coisas como estão.


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sábado, abril 08, 2006

Continuamos à espera...


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Os Cães-de-Fila (ou pior a emenda que o soneto)

Há em Portugal uns quantos ex-militantes de extrema-esquerda, dos tempos do PREC, alguns hoje figuras públicas e notórias, que passaram por um processo de reconversão. Antigamente até defendiam uns ideais nobres, os direitos dos trabalhadores, a liberdade, a revolução, uma sociedade sem classes e (às vezes) a democracia. Mas tinham aquela matriz assim tipo cão-de-fila MRPP, um militantismo de dentes cerrados, pleno de certezas absolutas quanto às ideias que defendiam e aos projectos a que se propunham. Qualquer tentativa de discussão crítica esbarrava no inapelavelmente no dogmatismo da doutrina.
Depois mudaram de ideias, arrependeram-se e estão ainda a contas com o seu passado. Hoje em dia militam um pouco mais à direita, mais precisamente ali entre a direita e o centro-esquerda. Os ideais são agora outros. Nos casos mais graves defendem o neo-liberalismo e as sacro-santas leis do mercado, abominam o estado-previdência, ou acham ainda hoje, dois anos depois, que a invasão do Iraque foi uma coisa boa.

A matriz, essa continua a mesma...


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quinta-feira, abril 06, 2006

Agora um post que não diz nada de novo

Nicolas Sarkozy é um político de uma ambição desmesurada. É certo que os políticos são por norma ambiciosos, mas mesmo em termos relativos, comparando com a generalidade dos políticos, a ambição de Sarkozy é perfeitamente desmedida. Desde há anos (dois ou três, pelo menos) que se apresenta como o inevitável vencedor das eleições presidenciais de 2007. A estratégia é simples, desde início que quer fazer o pleno da direita. Para isso não hesitou a tentar seduzir o eleitorado de Le Pen e de Villiers. É nessa linha que incendiou os subúrbios quando disse que ia tratar "desses chungosos" (a tradução que me parece melhor respeitar "racailles"), e quando prometeu limpar os arredores a canhão de água (os kacher). E mensagem tinha um destinatário claro, os eleitores que não gostam da população imigrante (leia-se árabes e negros) dos subúrbios. O resultado foram os tumultos de Novembro. Já antes disso houve a questão do véu islâmico, apenas um prenúncio dessa táctica. O próprio Sarkozy não esteve pessoalmente envolvido nessa luta (mas apoiou), aí a estratégia da direita foi a mesma: fazer passar a mensagem aos eleitores da extrema-direita que se estava a tratar do "problema" dos árabes. A esquerda caiu na farsa da laicidade do estado e não soube reagir.


Com o referendo da constituição europeia, a participação de Sarkozy pelo sim não podia ser mais a contragosto. Não se quis comprometer com o sim, para não desagradar ao eleitorado nacionalista que votou não. Mas não apoiou o não porque ia parecer mal.


foto do Le Monde (legenda minha, naturalmente...)
Agora com a questão do CPE, aproveita mais uma vez para promover a sua candidatura presidencial, e aqui o objectivo é derrubar o seu principal adversário dentro da direita, Villepain, que é por acaso também o primeiro-ministro do governo de que o próprio Sarkozy faz parte. O puxar do tapete é diário. Primeiro enquanto se diz solidário com o primeiro-ministro aproveita uma viagem às Antilhas francesas para mandar recados. Depois manda aparecem as primeiras críticas dentro do próprio partido do governo, UMP, que vêm de..."sarkozystas". O próprio Sarkozy foi-se distanciando cada vez mais de Villepin, já nem se preocupando, nos últimos dias, em manter a fachada de solidariedade entre membros do governo. Agora manobra inédita, é a UMP enquanto partido da maioria, e o próprio Sarkozy enquanto líder da UMP, que estão a negociar a crise em que se encontra o governo. Ou seja, o primeiro-ministro está num impasse, e vai é o seu ministro que o desautoriza e vai negociar com os sindicatos. E aqui não joga a bota com a perdigota. Sarkozy sempre viveu da imagem do político resoluto, de acção, de obra feita, inflexível, decidido e arrogante, tentando romper com a cultura política francesa dos compromissos tácticos permanentes, de que Chirac é o expoente máximo. Agora tenta aparecer como o arauto do diálogo. É difícil imaginar oportunismo mais flagrante. Mas a coisa pode-lhe sair para o torto, porque não há negociação possível com o CPE. Apenas a retirada do CPE é aceitável para os sindicatos e estudantes. Isto pode facilmente tornar-se numa derrota para Sarkozy, derrota se acaba por ceder e retirar o CPE ou derrota se não conseguir negociar e tirar o governo do impasse.

Não passa uma, no máximo duas semanas em que Sarkozy não seja capa de uma revista, ou saia uma reportagem de fundo ou entrevista com ele num jornal. O esforço que faz de promoção da própria imagem é colossal. Há dias até deu origem a uma piada no Le Monde, faça Sarkozy o que fizer anuncia-o a seguir ao jornal das 20h, como é hábito. Mas Sarko deve saber que por vezes os eleitores franceses não gostam de vencedores antecipados, a começar por Balladur que ele próprio apoiou, e que parecia destinado a bater-se com Jospin na segunda volta, e ganhar, o vencedor foi Chirac.

É algo díficil saber o que será Sarkozy como presidente. Será seguramente um presidente à direita, bem à direita, mas não é óbvia a diferença entre o que é o seu posicionamento ideológico e o que é o seu oportunismo político. Apenas uma coisa é certa, se Sarkozy for eleito presidente: A conflitualidade social! A conflitualidade entre os subúrbios e as cidades, entre os imigrantes (ou descendentes de imigrantes) e os outros. Apenas isso é certo, o conflito.


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terça-feira, abril 04, 2006

A Luta Continua!

Aliás as lutas continuam.
Quem estiver com mais atenção ao que se passa para os lados do Matignon, do Eliseu, da Assembleia Nacional e do Luxemburgo, fica a pensar que a luta mais importante é outra. O CPE é só um campo de batalha circunstancial. Ele é o Sarkozy a lutar para tomar a dianteira, é o Villepain a lutar pela sobrevivência e é o Chirac na sua eterna luta para agradar a gregos e a troianos, enquanto tenta salvar o seu delfim. Aqui a luta de facto é pelas eleições presidenciais de 2007, entretanto está toda a gente à espera. A direita tem o governo e a maioria no parlamento, e entretém-se com estas lutas, tudo o resto pode esperar. Mas ainda bem, não é de espantar se se queimarem todos. A ver vamos.

A luta que de momento interessa realmente, a luta contra o CPE, continua em força. Depois do Conselho Constitucional deixar passar, e do Chirac aprovar (sem verdadeiramente aprovar, mas ainda assim promulgar) o CPE, e com o bom tempo de Primavera que faz por aqui, estava-se mesmo a ver o resultado. Hoje houve manif, e foi, ao que parece, maior que a anterior.

Estavam lá todos, os liceanos (continuam a ser os mais animados e engraçados), os banlieusards, os universitários, os precários, os funcionários, os sindicalistas, os socialistas, os comunistas, os maoístas, os attacquistas, os anarquistas, os imigrantes, os nativos, as mamãs, os avós, e consta até que estavam infiltrados alguns burgueses. Enfim este movimento faz o pleno. E hoje foi mais do mesmo, muito mais do mesmo.

Será que foi a última manif?



Espermos que sim.


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segunda-feira, abril 03, 2006

Pichação

Como disse o André Belo na altura em praia emprestada, por alturas do 14 de Julho do ano passado (aliás foi mesmo no dia 14 de Julho que é o da tomada da Bastilha) o Gilberto Gil deu um concerto precisametne na place de la Bastille, e trouxe um discurso, que entre outras coisas defendia a miscigenação dos povos como o futuro da humanidade. Da reacção do público já o André deu conta.

Entretanto descobri um sambinha de 1989 sobre o assunto, o que me permite pôr as palavras na boca do próprio Gilberto Gil.

Por muito divertido que seja a última quadra (que é) vale a pena ler a letra toda (só não percebi muito bem a referência à Branca de Neve...).

A letra sacada aqui.
Mas eu aconselho mesmo é a ouvir a música clicando no altifalantezinho ao lado do título do album "O eterno deus Mu dança", ou então clicando aqui (é que eu por enquanto ainda não consigo postar as músicas no blogue).

De Bob Dylan a Bob Marley - um samba-provocação
música e letra: Gilberto Gil
1989

Quando Bob Dylan se tornou cristão
Fez um disco de reggae por compensação
Abandonava o povo de Israel
E a ele retornava pela contramão

Quando os povos d'África chegaram aqui
Não tinham liberdade de religião
Adotaram Senhor do Bonfim:
Tanto resistência, quanto rendição

Quando, hoje, alguns preferem condenar
O sincretismo e a miscigenação
Parece que o fazem por ignorar
Os modos caprichosos da paixão

Paixão, que habita o coração da natureza-mãe
E que desloca a história em suas mutações
Que explica o fato da Branca de Neve amar
Não a um, mas a todos os sete anões

Eu cá me ponho a meditar
Pela mania da compreensão
Ainda hoje andei tentando decifrar
Algo que li que estava escrito numa pichação
Que agora eu resolvi cantar
Neste samba em forma de refrão:

"Bob Marley morreu
Porque além de negro era judeu
Michael Jackson ainda resiste
Porque além de branco ficou triste"


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domingo, abril 02, 2006

Francamente...

Diálogo de mim para comigo (sim, um bocado esquizofrénico, eu sei):

- Francamente, andas para aí a falar de movimentos sociais e depois apareces com uma garrafa de vintage de 97?!
- E qual é o problema?
- É completamente burguês!
- Como assim?
- Festejar uma ocasião especial qualquer com Vintage, é por definição, Burguês.
- E isso o que tem?
- Não joga a bota com a perdigota. Se um gajo anda na rua nas manifs não pode ser burguês, as manifs são contra os burgueses.
- Então quem anda nas manifs não tem direito a um bom vinho!?
- Bom vinho = Burguês!
- Então quem é precário não pode viver na Rue Daguerre!?
- Rue Daguerre = Burguês!
- Um proletário não pode apreciar uma boa Vichyssoise!?
- Vichyssoise = Burguês!
- Um desempregado não pode ir ao Louvre
- Só se for um desempregado... Burguês!
- Férias na Côte d'Azur!?
- ...Burguês!
- Ler Balzac!? Sartre!?
- ...Burguês!
- Beber um café no Deux Magots?
- ...Burguês!
- ...
- Burguês!
- E isso que mal tem?
- Como assim, que mal tem?
- Eu não digo, que isso tudo não seja Burguês, até é, mas que mal tem?
- Que mal tem? Já te disse, é incoerente! As manifs são contra os Burgueses, não são feitas pelos Burgueses!
- Eh pá mas eu até gosto de dum bom Porto, e se pudesse emigrava para a rue Daguerre, mas sou contra o CPE. Não estou a ver a incoerência.
- Lamento, mas és um pequeno-...Burguês!
- Não, tu é que não percebeste nada!
- Não percebi nada de quê?
- Não percebeste nada de nada!
- Explica-me...
- O objectivo último de qualquer revolução é ser-se Burguês!
- Importas-te de repetir?
- Melhor, o objectivo da minha luta é pelo direito a ser Burguês, mas o direito de todos, não apenas alguns, a serem Burgueses.
-...
- Estás a perceber? Quando o Vintage estiver democratizado, então sim a revolução teve sucesso.


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