domingo, abril 09, 2006

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Há 50 anos o ensino era melhor?

"Ao cabo de nove ou dez noites compreendeu com certa amargura que nada poderia esperar dos alunos que aceitavam passivamente a sua doutrina, mas sim dos que arriscavam, às vezes, uma contradição razoável"
Jorge Luis Borges, As ruínas circulares, in Ficções

A propósito deste excelente post de Fernando Venâncio no Aspirina B com o qual eu discordo (quase) em absoluto.

O problema das reformas do ensino, em Portugal e em França, não é a cedência à "correcção política" nem às "pedagogias delirantes", embora as tenha havido com fartura. O problema, quanto a mim, é que as reformas nunca o foram verdadeiramente, nunca foram coerentes nem, sobretudo, consequentes. Dito de outro modo, no sistema de ensino, nunca houve um verdadeiro corte com o passado, houve mudanças na forma mas não na essência. Em França e em Portugal (e muitos outros países) princípio sempre foi, e continua a ser, o de transmitir de forma acrítica, um certa dose de conhecimentos que alguns designados iluminados decidem ser O conhecimento que os alunos precisam de aprender. E assim se passa ao ensino baseado em livros de texto, em que os alunos aprendem a memorizar, e não precisam de procurar informação. Mais importante ainda, para ter sucesso na avaliação, os alunos devem desenvolver um talento especial para adivinhar o que os professores esperam como "a resposta certa". Claro que este "conhecimento" transmitido de forma completamente cristalizada (e ainda por cima, as mais das vezes desactualizada), não serve nem ao desenvolvimento intelectual dos alunos, nem tem qualquer utilidade na sua vida futura, profissional ou pessoal.

Todas as reformas até hoje tentaram mudar, o que se vai ensinar, os programas, os conteúdos, tentaram mudar a forma da avaliar, tentaram mudar outras miudezas como a carga horária dos alunos e (não menos importante) dos professores, mas não tentam nunca mudar a maneira de ensinar.

Não sou de todo apologista de pedagogias esotéricas, pelo contrário defendo o muito mais pragmático modelo anglo-saxónico, sobretudo ao nível do ensino universitário. Muito mais do que estudar (leia-se marrar) para os exames os alunos têm que apresentar artigos ou relatórios escritos (os "papers") em diferentes formatos, ou apresentar oralmente os seus trabalhos. Na prática isto faz com que mais importante do que memorizar as matérias, os alunos se vejam permanentemente confrontados com a necessidade de saber procurar a informação, filtrar a informação relevante da irrelevante, e analisar essa informação de forma crítica. Isso sim contribui para o desenvolvimento intelectual dos alunos e é útil, quanto mais não seja como prática de trabalho, para a vida futura.

Quanto à disciplina, aquela que mais falta aos alunos é a disciplina de trabalho, ou método de estudo, e essa não muitos professores que ensinem, nem o sistema de ensino tem mecanismos para a transmitir aos alunos. Também me parece que muito pouca gente se preocupa com isso. A outra disciplina, a aceitação passiva dos regras impostas pelas hierarquias e pelas instituições, também não ajuda muito ao desenvolvimento intelectual, mas ainda há muito por aí, e se o sistema de ensino funcionasse, não era sequer necessária.

A citação de Laurent Lafforgue, embora diga muitas verdades, é um exemplo do porque é tão difícil fazer reformas em França (que também se aplica em grande medida a Portugal). Quando se tenta mudar alguma coisa, e não apenas no ensino, há imediatamente um coro de vozes, sempre descontentes, que se levanta. E mais que isso consegue sempre, pela inércia, bloquear qualquer tentativa de mudança de fundo. Se é difícil agradar a gregos e a troianos, deixa-se as coisas como estão.


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