quinta-feira, abril 06, 2006

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Agora um post que não diz nada de novo

Nicolas Sarkozy é um político de uma ambição desmesurada. É certo que os políticos são por norma ambiciosos, mas mesmo em termos relativos, comparando com a generalidade dos políticos, a ambição de Sarkozy é perfeitamente desmedida. Desde há anos (dois ou três, pelo menos) que se apresenta como o inevitável vencedor das eleições presidenciais de 2007. A estratégia é simples, desde início que quer fazer o pleno da direita. Para isso não hesitou a tentar seduzir o eleitorado de Le Pen e de Villiers. É nessa linha que incendiou os subúrbios quando disse que ia tratar "desses chungosos" (a tradução que me parece melhor respeitar "racailles"), e quando prometeu limpar os arredores a canhão de água (os kacher). E mensagem tinha um destinatário claro, os eleitores que não gostam da população imigrante (leia-se árabes e negros) dos subúrbios. O resultado foram os tumultos de Novembro. Já antes disso houve a questão do véu islâmico, apenas um prenúncio dessa táctica. O próprio Sarkozy não esteve pessoalmente envolvido nessa luta (mas apoiou), aí a estratégia da direita foi a mesma: fazer passar a mensagem aos eleitores da extrema-direita que se estava a tratar do "problema" dos árabes. A esquerda caiu na farsa da laicidade do estado e não soube reagir.


Com o referendo da constituição europeia, a participação de Sarkozy pelo sim não podia ser mais a contragosto. Não se quis comprometer com o sim, para não desagradar ao eleitorado nacionalista que votou não. Mas não apoiou o não porque ia parecer mal.


foto do Le Monde (legenda minha, naturalmente...)
Agora com a questão do CPE, aproveita mais uma vez para promover a sua candidatura presidencial, e aqui o objectivo é derrubar o seu principal adversário dentro da direita, Villepain, que é por acaso também o primeiro-ministro do governo de que o próprio Sarkozy faz parte. O puxar do tapete é diário. Primeiro enquanto se diz solidário com o primeiro-ministro aproveita uma viagem às Antilhas francesas para mandar recados. Depois manda aparecem as primeiras críticas dentro do próprio partido do governo, UMP, que vêm de..."sarkozystas". O próprio Sarkozy foi-se distanciando cada vez mais de Villepin, já nem se preocupando, nos últimos dias, em manter a fachada de solidariedade entre membros do governo. Agora manobra inédita, é a UMP enquanto partido da maioria, e o próprio Sarkozy enquanto líder da UMP, que estão a negociar a crise em que se encontra o governo. Ou seja, o primeiro-ministro está num impasse, e vai é o seu ministro que o desautoriza e vai negociar com os sindicatos. E aqui não joga a bota com a perdigota. Sarkozy sempre viveu da imagem do político resoluto, de acção, de obra feita, inflexível, decidido e arrogante, tentando romper com a cultura política francesa dos compromissos tácticos permanentes, de que Chirac é o expoente máximo. Agora tenta aparecer como o arauto do diálogo. É difícil imaginar oportunismo mais flagrante. Mas a coisa pode-lhe sair para o torto, porque não há negociação possível com o CPE. Apenas a retirada do CPE é aceitável para os sindicatos e estudantes. Isto pode facilmente tornar-se numa derrota para Sarkozy, derrota se acaba por ceder e retirar o CPE ou derrota se não conseguir negociar e tirar o governo do impasse.

Não passa uma, no máximo duas semanas em que Sarkozy não seja capa de uma revista, ou saia uma reportagem de fundo ou entrevista com ele num jornal. O esforço que faz de promoção da própria imagem é colossal. Há dias até deu origem a uma piada no Le Monde, faça Sarkozy o que fizer anuncia-o a seguir ao jornal das 20h, como é hábito. Mas Sarko deve saber que por vezes os eleitores franceses não gostam de vencedores antecipados, a começar por Balladur que ele próprio apoiou, e que parecia destinado a bater-se com Jospin na segunda volta, e ganhar, o vencedor foi Chirac.

É algo díficil saber o que será Sarkozy como presidente. Será seguramente um presidente à direita, bem à direita, mas não é óbvia a diferença entre o que é o seu posicionamento ideológico e o que é o seu oportunismo político. Apenas uma coisa é certa, se Sarkozy for eleito presidente: A conflitualidade social! A conflitualidade entre os subúrbios e as cidades, entre os imigrantes (ou descendentes de imigrantes) e os outros. Apenas isso é certo, o conflito.


Arquivado em:Política