sábado, março 11, 2006

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A fronteira -perdão- avenue du Maine


Os detractores de Paris dizem, muitas vezes, que Paris é uma cidade homogénea, quando usam um eufemismo, quando não dizem que é uma cidade monótona. Acham que está espartilhada pelas leis haussmanianas. Esses, os que gostam e os que não gostam de Paris, não a conhecem. Aconselha-se que façam, várias vezes, o percurso a pé de Denfert-Rocherau até, digamos, Plaisance. De preferência pela Rue Daguerre, e depois pela rue Raymond Losserand. Aconselha-se que o façam a diferentes horas do dia, em vários dias da semana. Que passem por exemplo pelo mercado de sábado de manhã na parte pedonal da rue Daguerre, onde os Fromagers e os Poissonniers e os Halles põem as bancas no passeio, e as senhoras, algumas que fizeram um detour desde -oh! heresia- a rive droite para se abastecer. Que aproveitem para, se tiver sol, comer uma das muitas saladas à escolha, na esplanada do Peret, bem condimentada com um vinagrete. Numa tarde de semana é uma boa ideia escolher entre um bom Bordeux et um pinot noir de Bourgogne na La Cave des Papilles. Numa sexta-feira à noite porque não beber-se um rouge no Café d'Enfer, ou jantar rodeado de jovens BCBG branchés no extravagante Zango (a árvore do viajante) numa mesa em que o tampo vidrado exibe areia de uma qualquer praia exótica distante, e em que o décor é feito de fotografias de etno-antropologia. Pode ainda encontrar-se, num dia de semana, no quartier, lojas de brinquedos exclusivamente em madeira ou geladarias italianas em que os sabores são dispostos no cone em forma de pétalas de rosa.
Continuando o caminho chega-se à avenue do Maine, segue-se à direita continuando no mesmo passeio uns poucos metros, atravessa-se para chegar à rue Raymond Losserand. Aí sugere-se um qualquer tabac, de preferência bem fumarento, onde os habitués estejam siderados no televisor a seguir corridas de cavalos, em que apostaram o dinheiro que tinham. Para se abastecer de frutos e legumes bem frescos há os halles dos chineses ou árabes. Pode ainda explorar-se as ruas circundantes para procurar um café português, com sorte encontra-se no Chateau a melhor bica de Paris (sem argumentação possível). Num domingo de manhã (ou numa quarta-feira) há o mercado de Villemain onde para além de frutos e legumes, se podem encontrar pastéis de nata, azeite e linguiça, ou queijos franceses, ou pastas italianas, ou azeitonas gregas, ou ainda sandes libanesas. Em noite de futebol pode escolher-se entre o design moderno mas sóbrio do Losserand-Café ou o Bistro/Brasserie mais tradicional Au Metro. Para ouvir Blues num sábado à noite há o Utopia. Para um combinado de cinema/bar/restaurante/sala-de-espectáculos/debates há o Entrepot. A cereja no cimo do bolo é mesmo um jantar de cuisine campagnarde em ambiente familiar, com o vinho escolhido pelo patrão, no Le P'tit Canon (verdadeiramente imperdível, recomenda-se o confit de canard maison).
Feito este exercício talvez os detractores de Paris consigam sentir a diferença entre os dois países de um lado e de outro da avenue do Maine, em que a diferença de preço do metro quadrado de habitação é a mais subtil das nuances. Talvez consigam até aperceber-se que na place da Mairie do 14éme, numa daquelas guinadas que só a aversão dos franceses à ortogonalidade pode explicar, a fronteira deixa de ser a avenue do Maine para passar a sê-lo a rue Mouton Duvernet. Aí, nessa praça, há um parque infantil que é divido ao meio, e as crianças não se misturam.


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