As Garrafas são para as ocasiões
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O modelo da Dupla Hélice responde à pergunta "Qual é a estrutura do DNA?", acho que isto não é controverso. E isso é importante? Na minha opinião sim, mas está longe de ser a questão mais importante em Biologia Molecular. Há de certeza quem não concorde comigo, e com mais certeza ainda por muito boas razões. E aqui talvez se entre na velha questão das biologia do "experimental vs descriptivo" ou da "estrutura vs função", mas espero que não, até porque acho que essa é uma falsa questão. Onde eu quero chegar é que, na minha opinião, a Dupla Hélice por si só não ajuda muito a explicar como funciona a vida. E, como já escrevi ali em baixo, não quero dizer que a dupla hélice não seja importante. É importante, sim, mas porque deixa pistas, abre portas, mais do que por dar respostas. Watson no seu livro "The Double Helix" tenta dar a ideia de que já se adivinhava que a replicação do DNA era semi-conservativa (tal como tenta dar a ideia que já tinha percebido o papel do RNA mensageiro). É fácil fazer prognósticos no fim do jogo. Na altura havia explicações alternativas compatíveis com a dupla hélice, nomeadamente a replicação conservativa e a replicação por fragmentação do DNA. Foi a experiência de Messelson e Stahl que respondeu a essa questão (estou outra vez a repetir-me), e não o modelo de Watson e Crick. Mais ainda, para haver duplicação do DNA não é necessária uma dupla hélice, basta uma cadeia dupla, e é o trabalho de Rosalind Franklin mais do que o Watson e Crick que demonstra que o DNA é uma cadeia dupla.
Há coisas que não percebo. Então o Descartes não era francês? E não foi ele que inventou o referencial cartesiano? E no referencial cartesiano os eixos não são perpendiculares entre si? E ainda para mais os franceses até têm bastante orgulho no Descartes. Dizia-me o Sr. H. com muita piada, e não menos razão, que para compreender a mentalidade do francês é preciso compreender dois mitos, sendo que um deles é o precisamente o Descartes (o outro é o D'Artagnan, mas a explicação fica para outra altura). Sendo assim, porque é que os franceses têm tamanha aversão à ortogonalidade? Talvez esteja a exagerar, talvez não sejam todos os franceses, mas pelo menos os urbanistas têm. E embora não seja só em Paris, com Haussman é particularmente notório. E o problema não é que (ou pelo menos, não é só que) as ruas não sejam paralelas e perpendiculares umas às outras. O problema é precisamente que elas parecem sê-lo quando não o são. Não quero dizer, de modo algum, que não existem ruas paralelas e perpendiculares entre si. De facto, essas ruas existem, e têm duas funções: 1) impedir que se possa acusar os franceses de terem aversão irracional à ortogonalidade 2) levar os inocentes a acreditar que em geral as ruas são paralelas ou perpendiculares entre si.

Chegando ao fim do muro do cemitério, que é como quem diz ao cruzamento com a rue Boulard, pode entrever-se aquele que é argumentavelmente o mais belo edifício de Paris. Ainda assim aconselha-se a continuar até Denfert, passando pelo parque infantil, e chegar lá onde confluem, num arranjo que só pode ser explicado pela aversão que os franceses têm à ortogonalidade, a rue Froidevaux, a avenue do General Leclerc, a avenue René Coty, o boulevard Saint Jacques, o boulevard Arago, avenue Denfert-Rocherau e o boulevard Raspail. Chegando aí dá-se a volta ao leão e cada vai ao seu caminho.