segunda-feira, março 13, 2006

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Haussman vs Descartes

Há coisas que não percebo. Então o Descartes não era francês? E não foi ele que inventou o referencial cartesiano? E no referencial cartesiano os eixos não são perpendiculares entre si? E ainda para mais os franceses até têm bastante orgulho no Descartes. Dizia-me o Sr. H. com muita piada, e não menos razão, que para compreender a mentalidade do francês é preciso compreender dois mitos, sendo que um deles é o precisamente o Descartes (o outro é o D'Artagnan, mas a explicação fica para outra altura). Sendo assim, porque é que os franceses têm tamanha aversão à ortogonalidade? Talvez esteja a exagerar, talvez não sejam todos os franceses, mas pelo menos os urbanistas têm. E embora não seja só em Paris, com Haussman é particularmente notório. E o problema não é que (ou pelo menos, não é só que) as ruas não sejam paralelas e perpendiculares umas às outras. O problema é precisamente que elas parecem sê-lo quando não o são. Não quero dizer, de modo algum, que não existem ruas paralelas e perpendiculares entre si. De facto, essas ruas existem, e têm duas funções: 1) impedir que se possa acusar os franceses de terem aversão irracional à ortogonalidade 2) levar os inocentes a acreditar que em geral as ruas são paralelas ou perpendiculares entre si.
E aquele que, passeando por aí, vira à direita para depois virar à esquerda, pensando seguir numa rua paralela à primeira, e crê que bastará mais adiante virar à esquerda para depois voltar a virar à direita para retomar o caminho inicial, esse só tem um destino: perder-se. E tentar virar novamente à esquerda (ou à direita) quando se apercebe que não vai na direcção desejada, só vai piorar a situação, tentar compensar o dano com viragens sucessivas e alternadas à direita e à esquerda definitavemente não resolve o problema, bem pelo contrário. Naturalmente, é difícil não cair na armadilha, sobretudo quando se tem tempo livre e curiosidade. Então começa-se a reconhecer o locais já antes visitados, onde se perdeu já uma e outra vez, mas chegando lá sempre por caminhos diferentes. Mais tarde começa um processo de memorização, que decorre naturalmente da tentativa e erro. Aí, sim, começa-se a conhecer a cidade, os cantos, as ruas, os caminhos, os locais. E talvez um dia se consiga finalmente apreciar Paris.

Arquivado em:Paris