sábado, março 18, 2006

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Há mais Biologia Molecular para além da Dupla Hélice (parte 2)

O modelo da Dupla Hélice responde à pergunta "Qual é a estrutura do DNA?", acho que isto não é controverso. E isso é importante? Na minha opinião sim, mas está longe de ser a questão mais importante em Biologia Molecular. Há de certeza quem não concorde comigo, e com mais certeza ainda por muito boas razões. E aqui talvez se entre na velha questão das biologia do "experimental vs descriptivo" ou da "estrutura vs função", mas espero que não, até porque acho que essa é uma falsa questão. Onde eu quero chegar é que, na minha opinião, a Dupla Hélice por si só não ajuda muito a explicar como funciona a vida. E, como já escrevi ali em baixo, não quero dizer que a dupla hélice não seja importante. É importante, sim, mas porque deixa pistas, abre portas, mais do que por dar respostas. Watson no seu livro "The Double Helix" tenta dar a ideia de que já se adivinhava que a replicação do DNA era semi-conservativa (tal como tenta dar a ideia que já tinha percebido o papel do RNA mensageiro). É fácil fazer prognósticos no fim do jogo. Na altura havia explicações alternativas compatíveis com a dupla hélice, nomeadamente a replicação conservativa e a replicação por fragmentação do DNA. Foi a experiência de Messelson e Stahl que respondeu a essa questão (estou outra vez a repetir-me), e não o modelo de Watson e Crick. Mais ainda, para haver duplicação do DNA não é necessária uma dupla hélice, basta uma cadeia dupla, e é o trabalho de Rosalind Franklin mais do que o Watson e Crick que demonstra que o DNA é uma cadeia dupla.

A grande inovação do modelo da dupla hélice, e que mais pistas veio dar para os avanços subsequentes na compreensão de como funciona a biologia ao nível molecular, foi a noção de complementaridade entre as duas cadeias do DNA. A descoberta de que frente a um G está sempre um C e frente a um A está sempre um T. Para chegar a esta conclusão Rosalind Franklin foi, mais uma vez, muito importante, foi quem percebeu que as cadeias de fosfato estavam no exterior da molécula, contrariamente ao que todos pensavam na altura. E foi esse posicionamento da cadeia de fosfato que permitiu, precisamente, pôr os Cs face aos Gs e os As face aos Ts. Essa complementaridade entre as bases abriu as portas ao conceito de transcripção, i.e. de como se passa de DNA para RNA mensageiro, tal como ao da replicação do próprio DNA. Curiosamente, neste ponto particular Watson e Crick enganaram-se num pequeno/grande detalhe, segundo o artigo original o emparelhamento da Guanina (G) com a Citosina (C) era feito por duas ligações de Hidrogénio, tal como a Adeninda (A) com a Timina (T). Sabemos hoje que a ligação G-C é feita com três ligações de Hidrogénio.

Mas os que mais me incomoda é que estou convencido que a dupla hélice se tornou "famosa", se tornou num ícone, e sobretudo fora da da Biologia, por razões que pouco têm a ver com as questões a que responde, ou com o seu mérito científico.


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