Sou eu que estou a imaginar coisas?
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Não só a cerveja não é feita com a levedura Saccharomyces cerevisiae, mas com a Schizossaccharomyces pombe*, como as garrafas não são de 33 cl mas sim de 73cl. Quer dizer, é verdade que isso é o caso da Simba. Já a Tembo, vem em garrafas de apenas 68cl. Sair à noite e beber 3 cervejas tem, por assim dizer, outro significado...
Já referi antes tangencialmente (ou nem tanto) ao Campus da Universidade de Lubumbashi. A foto à paragem de autocarro foi tirada no campus, esta também, e obviamente a história do massacre da Universidade de Lubumbashi também se passou lá, nos dormitórios mais precisamente.




Se considerarmos que trabalho é qualquer actividade que permite ganhar um sustento, então em África (pelo menos entre Ndola e Lubumbashi) trabalha-se, de facto, muito, mesmo muito. E quando falamos de trabalho, a precaridade do emprego, ou as 35 horas semanais não estão no topo das prioridades. Estado-previdência não existe (nem mesmo os funcionários públicos têm reforma, e duvido que sequer os militares tenham). Por lá para tentar arranjar sustento faz-se de tudo, mas como os recursos são limitados é preciso de facto trabalhar muito para se conseguir angariar um pouco. E investimentos a longo prazo também não são propriamente uma opção quando arranjar o que pôr na mesa para o jantar é uma urgência. Talvez por isso, pelo que me foi dado a ver, na haja muito investimento ou desenvolvimento na/da agricultura, pelo menos não à medida do potencial aparente da terra (é que lá há sol, há àgua e há solo, não percebo como é que a agricultura não é a maior riqueza da economia local), o tempo que vai entre plantar e colher dá para morrer de fome. E de facto é nas actividades que dão rendimento imediato que se trabalha mais. Seja a carregar carvão em bicicletes milagrosamente equilibradas, seja a trocar dinheiro na rua, seja a vender artesanato, ou comida, na beira do passeio, seja a angariar passageiros para autocarros e taxis, seja a vender gasolina à sombra de uma árvore, seja nos pequenos negócios como cabeleireiros ou mercearias. E quando digo trabalhar, é realmente trabalhar, com empenho, afinco, há uma atmosfera de energia permanente, uma tensão mesmo, toda a gente está a fazer pela vida. Por outro lado, em certas ocasiões, como com na oficina de bate-chapas, deu-me a sensação que havia mais empregados do que os "normalmente seriam necessários", talvez seja um mecanismo de repartir o mal pelas aldeias, que é como quem diz os poucos recursos por muita gente.

Em geral, pelo que me apercebi, o preço das coisas é sensivelmente metade, ou um pouco menos do que se pagaria aqui (ou em Portugal). Não há moedas, só notas. Pelo que me disseram, a razão pela qual no Congo as notas são de valores pequenos (a maior nota é de 500 francos Congoleses, que não chega a um euro) é o receio de que a inflação aumente. Já na Zâmbia as notas vão até 50000 kwachas (13 euros), e de facto a inflação é muito superior à do Congo.
Bem carregados, a maior parte das vezes, circulam por todo o lado, seja o centro da cidade, sejam as zonas residenciais, a qualquer hora, sem qualquer restrição. Para além da fumarada, o efeito mais notório é no estado das estradas, que é péssimo, e sendo que uma imensa maioria dos pesado que circulam são da Malta Forrest, é fácil concluir quem é o maior responsável pelo estado das estradas em Lubumbashi. Calha mesmo bem porque é a própria Malta Forrest que está encarregue de reconstruir essas estradas, e vai ser paga para isso. Paga para estragar e paga para arranjar. Além do mais continua a ter o monopólio da exploração dos recursos minerais da região do Lubumbashi. Ao que consta, conseguiu ao longo dos anos eliminar a concorrência de quem aparecesse, inclusivamente (pasme-se!) de empresas públicas, e não porque gerisse os negócios melhor do que os outros, mas simplesmente porque teve o beneplácito de políticos corruptos. Enfim, este artigo resume na perfeição as opiniões que ouvi de quem vive lá e ouve falar de Forrest há anos. O título diz tudo. Não consegui confirmar, mas disseram-me que é consul honorário da Bélgica (ou da França?) em Lubumbashi. É só mais um exemplo de como o "ocidente" coopera e incentiva o desenvolvimento económico do "terceiro mundo".

As ruas são largas, os passeios são vagamente delimitados, a situação convida ao cada um para seu lado. Isto enquanto uma multidão de peões atravessa de todos os lados e para todos os lados em trajectórias ainda mais ambíguas que os próprios carros. Quem não mexe do sítio são os vendedores, que por acaso na maioria até são vendedoras, e que estão à beira do passeio, embora não saiba muito bem onde ele esteja. Nada que não se veja na feira da ladra ou do relógio. nisto há um camião que quer passar em sentido contrário ao nosso mas tem que curvar ligeiramente cortando na nossa direcção, nós não tinhamos mais para onde avançar. Nem os gritos nem os murros na caixa da camioneta fizeram o condutor desistir da sua lenta mas determinada marcha. Resultado abalroou devagarinho, mas deu bem para sentir, o nosso carro, não sem deixar o guarda-lamas esquerdo metido para dentro.
O Y. algo exaltado saíu do carro, e o condutor do camião com a maior das displicências, como quem diz que são coisas que acontecem, a querer ir a vidinha dele. Não deixámos, ou melhor o Y. e o J. não deixaram, que eu nem percebi, a maior parte do tempo em que língua é que eles falavam. Entretanto aparece o chefe do condutor, e lá perceberam que a malta não ia deixar passar a coisa sem mais nada. Fomos para o escritório da empresa para tentar resolver a coisa, havia para lá um tipo que parecia ser o responsável do armazém mas que desapareceu rapidamente e deixou os subordinados resolver o problema. É preciso dizer que apesar do seguro automóvel ser obrigatório, não está generalizado. Então o que se pedia era um documento de identificação do condutor e da empresa, e garantias de que eles iam assumir o arranjo. Eles tentaram dificultar o mais possível até certa altura.
A coisa resolveu-se mas só depois do pai do Y. e do J. aparecer, aí improvisou-se ali uma carta, devidamente assinada, em que o condutor e o responsável da empresa assumiam responsabilidade do acidente. Foi engraçado ver como a entrada do sr. C. resolveu rapidamente a questão. Há várias explicações, não mutuamente exclusiva, o estatuo social do sr. C. parece-me até o menos importante, a facilidade que ele tem na gestão de pessoas e de situações, o "savoir-faire" é por demais evidente e pareceu-me o factor mais importante, mas outro factor ainda, não negligenciável é a idade, o sr. C era mais velho do que qualquer um dos outros envolvidos, que eram de resto todos sensivelmente da mesma idade. Pelo que me foi dado a perceber o respeito pelos mais velhos é de facto uma coisa muito séria.
Há ainda em cada autocarro um cobrador que vai sempre pendurado na porta. Para além de recolher o dinheiro o cobrador informa os transeuntes do destino do autocarro, não outra indicação, e está sempre à procura de algum potencial passageiro que lhe faça sinal, aí é ele que manda parar o autocarro para apanhar o passageiro. Paragens propriamente ditas só nos locais de início de terminus da carreira.
Apesar de o parque automóvel ter aumentado 10 vezes nos últimos anos (se percebi bem desde que acabou a guerra, ou seja uns cinco anos) a maioria das pessoas ainda não tem carro, e mesmo para os que têm a gasolina é usada cuidadosamente doseada, porque o dinheiro não abunda. Estes autocarros são de longe, pelo que me foi dado a observar, o meio de transporte mais usado.
Há mais uns quantos procedimentos curiosos nos autocarros zambianos, 1) o cobrador senta-se na porta e recolhe o dinheiro dos passageiros um por um quando se entra na autoestrada; 2) quando os bancos "normais" estão todos ocupados começam a tirar-se uns outros que estão dobrados e que ocupam o corredor, o que dificulta um pouco a saída dos passageiros do fundo; 3) como já disse os autocarros só andam cheios, logo uma consequência é que não há horários rígidos, o autocarro sai quando estiver completo; 4) além do condutor e do cobrados há ainda os "angariadores" que na zona das paragens se encarregam de encaminhar os passageiros para o autocarro certo; 5) os autocarros são todos azuis e os preços são tabelados (o que noutras ocasiões me teria dado muito jeito).