domingo, fevereiro 19, 2006

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O Trabalho

Se considerarmos que trabalho é qualquer actividade que permite ganhar um sustento, então em África (pelo menos entre Ndola e Lubumbashi) trabalha-se, de facto, muito, mesmo muito. E quando falamos de trabalho, a precaridade do emprego, ou as 35 horas semanais não estão no topo das prioridades. Estado-previdência não existe (nem mesmo os funcionários públicos têm reforma, e duvido que sequer os militares tenham). Por lá para tentar arranjar sustento faz-se de tudo, mas como os recursos são limitados é preciso de facto trabalhar muito para se conseguir angariar um pouco. E investimentos a longo prazo também não são propriamente uma opção quando arranjar o que pôr na mesa para o jantar é uma urgência. Talvez por isso, pelo que me foi dado a ver, na haja muito investimento ou desenvolvimento na/da agricultura, pelo menos não à medida do potencial aparente da terra (é que lá há sol, há àgua e há solo, não percebo como é que a agricultura não é a maior riqueza da economia local), o tempo que vai entre plantar e colher dá para morrer de fome. E de facto é nas actividades que dão rendimento imediato que se trabalha mais. Seja a carregar carvão em bicicletes milagrosamente equilibradas, seja a trocar dinheiro na rua, seja a vender artesanato, ou comida, na beira do passeio, seja a angariar passageiros para autocarros e taxis, seja a vender gasolina à sombra de uma árvore, seja nos pequenos negócios como cabeleireiros ou mercearias. E quando digo trabalhar, é realmente trabalhar, com empenho, afinco, há uma atmosfera de energia permanente, uma tensão mesmo, toda a gente está a fazer pela vida. Por outro lado, em certas ocasiões, como com na oficina de bate-chapas, deu-me a sensação que havia mais empregados do que os "normalmente seriam necessários", talvez seja um mecanismo de repartir o mal pelas aldeias, que é como quem diz os poucos recursos por muita gente.
Das primeiras coisas que me saltaram à vista foi a quantidade de transacções que vi, nunca na minha vida tinha visto tantas vezes dinheiro mudar de mãos em tão pouco tempo. O facto de tudo se pagar em dinheiro vivo (o dinheiro de plástico ainda não está vulgarizado) também ajuda a esta imagem. E, como é óbvio, a relação que as pessoas têm com o dinheiro é diferente, porque o há pouco. Tudo tem um preço, o dinheiro circula e não há limites impostos por uma qualquer regra de pudor que impeçam as trocas. E, claro, porque as notas são muitas, porque tudo tem preço, é preciso saber contar dinheiro. E as boas contas fazem os bons amigos.


Arquivado em:Viagem a África