quinta-feira, dezembro 14, 2006

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Temos Presidente!

Já lá vão um par de semanas que tomou posse o novo presidente eleito da República Democrática do Congo, Joseph Kabila, que já ocupava o cargo mas goza agora da legitimidade do voto. Contra as prováveis expectativas dos mais cínicos não se seguiu uma explosão generalizada de violência nem o Congo mergulhou de novo numa guerra civil (espero muito sinceramente não ter que engolir estas palavras mais tarde). Convém lembrar que o Congo fez um longo caminho para chegar aqui, e que estas eleições, mais do que o começo de uma nova fase, foram o culminar de um longo processo de transição para a Democracia. A guerra durou de 1997 até 2003, foi sangrenta, definida por alguns como a Terceira Guerra Mundial, pelo número de vítimas e países envolvidos (sim, foram muitas a ingerências dos países vizinhos). Contudo o cessar-fogo também não é de ontem, dura há já mais de três anos, e entretanto foi formado um governo de unidade nacional, foi elaborada uma constituição, foi montada a logística para a organização de eleições democráticas, foi feito um referendo à constituição, foram realizadas eleições para as províncias, para o parlamento, e para a presidência da república, esta a duas voltas. Na minha opinião o homem que foi decisivo para esta transição é o presidente agora eleito, Joseph Kabila, que herdou o poder - talvez o até próprio tenha ficado surpreendido - do seu pai quando este foi assassinado. Onde muitos congoleses (pelo menos os que conheço) gostariam de ter um chefe carismático e um líder forte, Joseph Kabila apresentou-se como um discreto diplomata, homem do diálogo e de compromissos. Conseguiu trazer as diferentes facções em conflito para a mesa das negociações, para o governo de unidade nacional e para a elaboração da constituição. Não menos importante conseguiu um envolvimento muito substancial da comunidade internacional - o maior contingente de capacetes azuis em África é o que está no Congo - para assegurar o bom desenrolar das eleições e da transição para a Democracia. Um trabalho notável sobretudo considerando a sua idade, 38 anos, é o mais jovem presidente em África. Joseph Kabila foi eleito presidente, e na minha opinião com todo o mérito.

A República Democrática do Congo é o 12º maior país do mundo em superfície (o que significa que em extensão faz mais de metade da Europa), tem mais de 60 milhões de habitantes, é um país riquíssimo especialmente em minérios (Urânio, Cobre, Ouro...) e ainda assim esta evolução política desperta muito pouca atenção dos meios de informação. Pior, quando noticiam as eleições é só para dar conta de um ambiente de tensão, sempre "temendo o regresso da violência ao país", ficando provavelmente o leitor convencido que o processo vai inevitavelmente abortar, e a guerra há-de recomeçar mais tarde ou mais cedo. Depois esquecem-se de acompanhar a evolução da situação, a não ser, claro!, que a violência regresse mesmo. Esquecem-se também que até nos países onde a transição para a Democracia foi pacífica, como Portugal ou Espanha, houve momentos de grande tensão. Este tratamento é particularmente acentuado quando se trata de África, como se fosse inerente à natureza dos africanos andarem sempre em guerra (talvez uma contagem ainda que grosseira do número de países africanos que estão em paz, e com regimes eleitos democraticamente resultasse uma agradável surpresa). Ainda outro dia o jornal "Le Monde", quase sempre um excelente jornal, punha na mesma notícia (sem link) as eleições presidenciais no Congo e as escaramuças entre militares no Kivu Norte, como se as duas coisas estivessem ligadas. Ora um bocadinho de trabalho de casa teria permitido encontrar facilmente algumas informações importantes: 1) o comandante das forças rebeldes no Kivu Norte não tem afiliação com nenhum dos candidatos às eleições 2) o Kivu Norte é só a província mais distante de Kinshasa, logo o local mais improvável para começar uma rebelião contra os resultados das eleições 3) Há regularmente escaramuças no Kivu Norte, seja em tempo de eleições ou não, sempre de reduzidas dimensão e contidas pelo exército regular e pelos capacetes azuis 4) o Kivu Norte fica (por coincidência?) mesmo junto à fronteira com o Ruanda, e o chefe das forças rebeldes General Nkunda é um Tootsie congolês (ok, talvez já seja demais esperar algum conhecimento das alianças e dos equilibrios de forças regionais...).

Parece-me que o Congo é um país suficientemente importante para merecer um pouco mais de atenção, e já agora, se não for pedir muito, que os jornalistas aprofundem um pouco mais a questão(enfim façam o seu trabalhinho) em vez de fazer se ficarem pelas análises superficiais e pelas ideias pré-concebidas.

Arquivado em:Política