domingo, novembro 26, 2006

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A Gramática para além de Plutão

Muito se tem escrito sobre a TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário) na blogosfera e não só. Já consegui encontrar argumentos a favor e contra, o que quer dizer que a discussão avançou um bocado depois do post que escrevi a comparar a questão da TLEBS com a despromoção de Plutão a planeta-anão. Logo para começar encontrei o texto tal da Maria Alzira Seixo na Visão, graças aos bons ofícios dO Céu sobre Lisboa. Já agora, no mesmo blogue há vários posts sobre este assunto que valem a pena ser lidos (este, este, este e este), e de sinal contrário há este disparate no Aspirina B.

Para além de Maria Alzira Seixo, também Vasco Graça Moura volta ao assunto, novamente na sua coluna no DN. Ambos apresentam argumentos contra a TLEBS (já lá vou), mas ambos deixam transparecer que não é apenas da TLEBS em si mesma que se trata, há também uma disputa de autoridade e de território entre a Literatura e a Linguística, como se pode ver:

"a Gramática, e muito menos a Língua, não são propriedade exclusiva do estudo da Linguística, ligam-se a outras disciplinas em que são cruciais: a Literatura (...) e Filosofia, com a Lógica e a Filosofia da Linguagem" (Maria Alzira Seixo)

"O ódio à Literatura atinge o seu paroxismo nestes modelos de autópsia" (Vasco Graça Moura)

Pegando noutro exemplo e seguindo a mesma lógica: também o estudo do organismo humano não é propriedade exclusiva da medicina, mas será que um biólogo pode passar receitas médicas? A Gramática é um objecto de estudo da Linguística (o que não quer dizer propriedade dos linguistas), e mesmo que os linguistas devam naturalmente estar abertos à discussão com outras disciplinas, quando se trata de decidir a elaboração dos programas escolares é a linguistas que Ministério da Educação (ME) deve recorrer no que respeita à Gramática tal como deve recorrer a Matemáticos para elaborar os programas de Matemática. A reclamação territorial de Seixo e Graça Moura, na minha, opinião não colhe.

Há também um outro aspecto, o que motivou o post anterior, e que se mantém: há uma motivação autenticamente conservadora na generalidade dos que se opõe à TLEBS. Há uma atitude de princípio na recusa da mudança. Se a a Gramática fosse uma simples forma de nomenclatura, se a escolha entre "nome" e "substantivo" fosse meramente arbitrária, se fossem apenas duas formas diferentes, igualmente eficazes, de designar a mesma coisa eu até concordaria com a posição conservadora. Se é indiferente, então a mudança é fútil. Mas a Gramática é uma forma de descrever e compreender correctamente a Língua que falamos, e pode sofrer alterações que descrevam mais eficazmente, e nos permitam compreender melhor a língua. Há que comparar a Gramática tradicional com a que é proposta pela TLEBS e determinar qual a que melhor descreve o português que falamos.

Pelos exemplos e argumentos que são dados, curiosamente por Maria Alzira Seixo e Vasco Graça Moura, dos poucos exemplos concretos que vou conhecendo estou a começar a gostar da TLEBS. Maria Alzira Seixo critica que a TLEBS dirija a "taxinomia da língua para raciocínios tecnicistas e funcionais", parece-me muito bem que assim seja, a Gramática deve ser acima de tudo uma ferramenta técnica e funcional para a compreensão da língua, e é isso que deve ser ensinado na escola. É precisamente o que se critica em permanência aos alunos, não saberem usar a língua como instrumento de comunicação, que é como quem diz faltam-lhes as bases técnicas e funcionais de manuseamento da língua. Pelas mesmas razões que Seixo prefere "substantivo" a "nome" eu prefiro "nome" a "substantivo" ("por ser muito mais amplo e romper com a tradição filosófica milenar que funda a relação entre pensamento e linguagem, elevando-a acima do uso instrumental.")

Vasco Graça Moura (contrariamente às minhas expectativas) apresenta argumentos, refere-se esta apresentação (ficheiro powerpoint disponível no site o ME) em que uma estrofe d'"Os Lusíadas" é utilizada como exemplo para uma análise gramatical à luz da TLEBS. A partir daí faz a sua crítica sistemática apresentando vários pontos contra a TLEBS. A meu ver, Graça Moura, comete um erro numa parte significativa da sua análise, e talvez não seja um erro inocente: confunde análise gramatical com análise literária. DL no Linha dos Nodos comete o mesmo equívoco. Se uma análise literária, for estudar as figuras de estilo, a métrica, a rima, o ritmo, o vocabulário e tudo o mais do poema de Camões para chegar à simples conclusão que "Tioneu queimava os cheiros excelentes produzidos na Pancaia", seria de facto grave, muito grave. Simplesmente não é disso que se trata. Para uma análise gramatical os autores da dita apresentação escolheram como exemplo um texto de Camões como poderiam ter escolhido uma qualquer notícia de jornal. Logo aí revelam um enorme bom senso, não só em qualquer circunstância Camões é sempre uma escolha melhor do que qualquer texto de jornal, como ainda no caso concreto os oito versos de Camões com toda a sua riqueza e complexidade apresentam uma tal diversidade de construções gramaticais - como os autores da dita apresentação expõem e analisam excelentemente - que páginas e páginas de jornais não chegariam para o exemplificar. É bom não esquecer que para os alunos poderem perceber e, mais importante ainda, apreciar Camões, convém que percebam antes as bases da Gramática, e saibam fazer um bom uso da Língua. Aí talvez Camões dê voltas no túmulo, mas de contentamento.

No resto, acredito que nem todas as alterações propostas pela TLEBS sejam melhores do que as da Gramática Tradicional, e num debate profundo e exaustivo chegar-se-á provavelmente à conclusão que algumas alterações devem ser adoptadas e outras não. Perece-me completamente natural, e seria um erro rejeitar a TLEBS como um todo por culpa de uma ou outra insuficiência pontual. Não nos devemos é esquecer que se trata uma opção entre uma Gramática tradicional e uma outra nova, convém ter presente qual é o termo de comparação. Se nos estão sempre a citar os exemplos abstrusos da TLEBS, perguntem-se se na Gramática tradicional não há exemplos igualmente abstrusos aos quais estamos, simplesmente, habituados. Dizia-me há pouco tempo um amigo, que por acaso ensina Português aqui em França, "tentem explicar a um estrangeiro o que é o 'Pretérito Perfeito' e porque é que se chama assim, e vão ver se é intuitivo".

Arquivado em:Política

1 Comments:

Blogger Maria Filomena Barradas Escreveu...

o primeiro texto sensato e informado escrito sobre a tlebs? ufa. julgava ser impossível. parabéns

1:47 da manhã, janeiro 25, 2007  

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