sexta-feira, dezembro 08, 2006

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A incrível estória do Dr. Jacky Chan

Há aqui em Paris uns habitantes eufemisticamente denominados SDF (sem domicílio fixo), andam um pouco por todo o lado e fazem parte da alma da cidade. Contudo chamar-lhes SDF ou sem abrigo induz-nos em erro, dado terem uma morada fixa que é Paris, a cidade é a sua casa e a paragem de autocarro o quarto. É uma casa grande e com muitos quartos que não se incomodam em partilhar. Pensar que os SDF são apenas pessoas com distúrbios mentais que carecem de apoio é monstruosamente redutor. Podem ser, nas suas mais diversificadas formas, os mais delirantes líricos, os últimos moicanos do romantismo, ou excêntricos em estado puro. Outro dia travei conhecimento com um deles, o Dr. Jacky Chan, numa paragem de autocarro do blvd. St. Michel. Tudo começou porque o Dr. Jacky Chan não consegue construir uma frase em francês, sim ele é americano de origem chinesa. Uma senhora, daquelas que provavelmente se consideram as autênticas parisienses, imbuída da mais honesta caridade cristã quis saber se já tinha comido. Aí eu entrei na estória no papel de intérprete (ou seria tradutor?), o Dr. Chan explicou-me que se acabara de levantar (já passava das 21h) e que ainda não tinha comido, logo tinha efectivamente fome. A caridosa cristã ofereceu-se para lhe ir comprar pão, e logo aí o Dr. Chan fez mostras da sua acuidade mental e rapidez de reflexos, disse-me rapidamente que não queria pão, preferia dinheiro porque sendo chinês estava com vontade mesmo era de ir a um traiteur chinês comer uma sopa. E nisto desaparece no meio do estaminé que tinha a ocupar o quarto, onde pontificava alguma parafernália propagandística anti-americana com uns slogans então incompreensíveis contra o FBI e a CIA, e volta logo de seguida com duas cópias de um panfleto a contar a sua história (cliquem na foto para ver). O Panfleto demonstra uma logística respeitável, para quem não compõe uma frase de francês conseguir escrever seis páginas nesse idioma é notável, conseguiu seguramente ajuda de alguém e imprimiu não sei quantas cópias em frente e verso para andar a distribuir por aí. Mas o mais interessante mesmo é a história em si. O Dr. Jacky Chan diz-se médico de investigação, que exerceu a sua profissão em São Francisco, que trabalhou contra sua vontade em projectos de armamento secreto, que foi perseguido pelo FBI e pela CIA, que por causa disso foi abandonado pela família, que este preso três vezes, mas das três vezes ganhou os processos e que espera uma indemnização de cem milhões de dólares. Como é médico propõe-nos também a sua ajuda (ele próprio há mais de vinte anos que não adoece seguindo os mesmos conselhos que nos oferece), diz-nos onde podemos encontrá-lo ou onde podemos deixar recado se quisermos contactá-lo. No fim da primeira página deixa uma nota manuscrita em inglês "I Love You very much! Because you are French! I believe you are a good person!!! This paper is only about 1% of my Story! I have no money to print my story...". Se for verdade tudo o que o Dr. Jacky Chan conta, a sua história é de facto verdadeiramente incrível. Se não é verdade, então é o personagem que se apresenta perante nós, em plena cidade, na "vida real", que é absolutamente genial. Ver esse personagem num filme, ou num palco, ou numa qualquer obra de ficção seria uma fraude. É encarná-lo autenticamente, na rua, que o torna na mais perfeita materialização do artista. Acho a segunda hipótese deveras muito mais interessante.

Arquivado em:Paris

1 Comments:

Blogger mariomar Escreveu...

o Dr. Jacky Chan tem uma história incrível... e tu um episódio por cima da história dele... não sei se daria um filme mas ele deve ser cá um personagem...

3:21 da manhã, dezembro 09, 2006  

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