sábado, novembro 04, 2006

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O elogio do Catenaccio puro

Vejo-me forçado a admitir que a equipa que mais gostei de ver jogar no último Campeonato do Mundo de futebol foi a Itália - que aliás acabou por ganhar - por muito que outras tivessem a minha simpatia (e.g. França). É absolutamente admirável ver jogar uma equipa que sabe jogar o Catenaccio puro, que antes de mais sabe defender, e só ataca quando sabe que pode atacar, sempre sem pôr em risco a defesa. A isso chama-se inteligência. Pormenor importante: qualquer equipa tem que entrar em campo tendo por único objectivo a vitória, qualquer outro objectivo que não a vitória é uma perversão das regras do jogo, da moral e da ética. Jogar para não perder é cobarde, é abjecto, é inaceitável. Dito isto, o verdadeiro adepto do futebol tem que apreciar acima de tudo a equipa que joga inteligentemente, que é pragmática, que é realista, que sabe utilizar o cérebro para conquistar uma vitória. O romântico "jogar de peito aberto" é uma inconsciência só permitida ao tolos. E os tolos devem ter inapelavelmente aquilo que merecem, a derrota (de preferência de cabeça erguida). Num jogo de futebol há que apreciar além da capacidade técnica dos jogadores, a inteligência táctica, a capacidade de tomar a decisão certa na altura certa, a capacidade de jogadores e treinadores que escolher a organização que melhor se adapta ao jogo e ao adversário, e a capacidade de pôr essa estratégia em prática. Saber identificar os pontos fortes e fracos da própria equipa e da equipa adversária, e saber tirar partido dessa informação é uma arte que não deve ser menosprezada. Tudo isso faz parte do jogo, e é também espectacular. É aliás a beleza ignorada do futebol. Não há melhor equipa do que a que joga à defesa para ganhar. Foi o que fez a Itália no Campeonato do Mundo, defendeu impecavelmente, quase não sofreu golos, mas só por desonestidade intelectual se pode dizer que jogou um futebol negativo, veja-se o número de golos marcados. Estou convencido até que um jogo que acabe 2-0 tem mais probabilidade de ser verdadeiramente espectacular do que um jogo que acabe 5 - 4, neste a única coisa garantida é a abundância de erros defensivos, seguramente infantis. A quintessência desse futebol inteligente (à italiana) foi a meia-final, foi preciso esperar 120 minutos, mas quando o adversário (na circunstância a Alemanha) finalmente abriu a guarda levou dois golos, por sinal ambos de belo efeito.

Desengane-se quem pensa que este post é sobre futebol. Muito embora a tese se aplique também ao futebol, trata-se apenas, por assim dizer, de uma metáfora. O Catenaccio é igualmente belo fora das quatro linhas. Por exemplo, há pessoas que por vicissitudes da vida não se podem permitir o erro, ou melhor o erro custa-lhes muito mais caro, é-lhe muito mais pesado, do que aos demais. Veja-se o caso daqueles a quem chamamos "deficientes". Atingir os objectivos que todos queremos atingir, ter um bom emprego, uma carreira, uma família, etc..., é-lhes obviamente muito mais difícil. As contrariedades que podem acontecer a toda a gente têm para eles bastante mais custos, são mais difíceis a ultrapassar. No entanto ele há-os que não desistem, que não deixam de ter os mesmos objectivos que temos todos, e há-os que conseguem. Sucede que melhor maneira de o conseguir não é jogando de "peito aberto", isso seria um imbecil suicídio. É jogando num sublime Catenaccio que conseguem a vitória, jogar à defesa sem cometer erros, escolher a disposição táctica adequada, manter os níveis de concentração elevados, e na altura certa subir no terreno, marcar um golo e recolher ao balneário.
Faz um ano que ando a ver jogar Catenaccio, é magnífico...

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