terça-feira, outubro 31, 2006

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Ter ou não ter a Razão

Através deste post na Estação Central cheguei a este outro do João Miranda no Blasfémias. Neste post a primeira qualidade do João Miranda que salta à vista é a sua coerência formal. Escreve um post em que opõe a Razão à Religião, tomando partido por esta última contra a primeira, e fá-lo escrevendo um post que de racional não tem nada. É inegavelmente coerente.

João Miranda afirma que: a) "a Razão é míope e não incorpora efeitos de longo prazo". b) "Uma sociedade é o resultado de um longo dilema do prisioneiro iterado e colectivo". (Nota: é o próprio quem remete para a Wikipédia).
Ora a atitude racional a tomar seria verificar se uma e outra afirmações são conformes à realidade (desde já discordo completamente, em especial com a primeira afirmação). Para verificar se a realidade confere João Miranda poderia apoiar-se nalgum tipo de estudo, sociológico, antropológico ou outro. Coerentemente com a sua recusa da Razão João Miranda não o faz. Outra alternativa seria apresentar estas afirmações como uma simples opinião pessoal meramente especulativa, o que o leitor poderia relativizar como sendo apenas uma opinião como qualquer outra (logo possivelmente errada) ou então perguntar em que se baseia essa opinião. João Miranda também não o faz, e resolve o assunto assumindo a atitude religiosa de apresentar a sua tese como uma afirmação peremptória que simplesmente dispensa qualquer tipo de demonstração. Assim sendo pode depois generalizar para toda a sociedade humana aquilo que se passa nos casos particulares que são os referidos jogos.

João Miranda passa então para a defesa da Religião, sempre recusando o uso da Razão. Novamente sem necessidade de demonstrar se as suas afirmações conferem com a realidade ou não, defende que as regras de comportamento contra-intuitivas não são acessíveis à Razão, apenas à Religião. Não sei se João Miranda nunca ouviu falar da Teoria do Caos ou se considera a a Teoria da Relatividade perfeitamente intuitiva. São dois exemplos de descobertas científicas profundamente contra-intuitivas que só foram possíveis pelo uso da Razão. Ou será que a Razão permite descobertas científicas contra-intuitivas mas não permite ao Homem adoptar comportamentos contra-intuitivos? É sempre uma possibilidade...

Quanto aos outros dois pontos, não sei o que dizer, sem ter por demonstrado antes a existência de Deus, mas talvez o João Miranda possa começar por aí, e depois continuamos. A não ser que o que João Miranda quer dizer seja não que o jogo dos prisioneiros se prolonga lá da morte nem que Deus funciona como um juiz imparcial, mas simplesmente que a Religião permite aos crentes acreditar que esse é o caso. Não é de todo a mesma coisa, e necessita também, como tudo o resto, de uma demonstração de que é conforme à realidade.

Há ainda um aspecto muito importante: João Miranda confunde Deus e Religião, mas sobre isso já o JSA escreveu no deste post que referi ali em cima, e não vou aqui repetir, mas vale bem a pena ler.


E para finalizar: mesmo que a Religião tenha fundando todas as civilizações, e a Razão não tenha fundado nenhuma, isso permite rejeitar a Razão? Se fosse assim, o mesmo argumento poderia ter sido utilizado para rejeitar a Religião quando esta apareceu pela primeira vez. Também se poderia perguntar no sec. XIX se alguma civilização tinha sido bem sucedida utilizando a electricidade ou telefone, e assim recusar o uso da tecnologia. E os exemplos podem continuar, é só escolher algo que a dado momento foi uma inovação. Bem vistas as coisas o uso da Razão é ainda uma aquisição recente da humanidade, esperemos apenas que esteja em expansão.

Arquivado em:Política

1 Comments:

Blogger Santiago Escreveu...

"Bem vistas as coisas o uso da Razão é ainda uma aquisição recente da humanidade, esperemos apenas que esteja em expansão."

Não resisto à minha citação favorita dos Monty Python:

"Pray that there's intelligent life somewhere out in space,
'Cause there's bugger all down here on Earth!"

10:02 da tarde, outubro 31, 2006  

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