segunda-feira, outubro 09, 2006

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Princípios e Incertezas: A Resposta (parte II)

Continuando o debate, aqui no Agreste Avena, sobre a possiblidade de a Ciência encontrar a verdade, aqui está um post do Santiago, na continuação do anterior, em resposta a este e este que escrevi, e estão ali em baixo

Contei a história daquela maneira particular (e a história podia ter sido contada de outra maneira...) com segundas intenções, obviamente. Acho que contar a história assim torna claro um ponto que quero frisar neste debate: O progresso científico não ocorre apenas por "falsificação" das "teorias" vigentes. Às vezes as teorias "mudam" por outras razões.

Tal como vejo a situação, a explicação "instrutiva" (pós-Landsteiner) morreu sózinha... passou a ser ignorada porque não dava as resposta que a Biologia em geral passou a exigir quando se tornou claro que tudo funcionava segundo o esquema DNA makes RNA makes Protein. O instrucionismo era simplesmete insatisfatório à luz da nova "maneira" de olhar para o funcionamento das células vivas.

Quero ser muito claro aqui: A Teoria Instrutiva foi abandonada sem ter sido alguma vez falsificada! A falsificação veio depois, quando foi possível sequenciar proteínas e ácidos nucleicos, quando se solucionou a estrutura cristalina dos anticorpos e, hei-de me repetir neste ponto, quando ficámos a conhecer em todo o detalhe molecular a maneira como as células B produzem anticorpos. Não foi abandonada por se ter demonstrado que estava errada.

O "paradigma" mudou de repente (Thomas Kuhn gostaria de ter lido isto, estou certo). O mais engraçado é que, no novo paradigma, a questão original de Landsteiner (como é que poderão existir genes que nunca foram seleccionados) deixou de fazer sentido, sem ter tido resposta. Viu-se que era uma questão "insensata" e que nunca devia ter sido colocada dessa forma: A selecção natural favorece indivíduos capazes de produzir um número suficientemente grande de anticorpos diferentes, de forma a que, por via das reacções cruzadas que necessariamente ocorrem, qualquer antigénio possa ser "combatido". Não nos devemos esquecer que esta "mudança de paradigma" só pôde ter lugar porque o "novo paradigma" (selectivo) mantinha a conformidade com o "paradigma superior" (o de Darwin).

O argumento é que, apesar do "teste da falsificabilidade" ser muito importante, na prática o progresso científico (o progresso das ideias científicas) não o segue à risca. E não o segue também por outras razões: É raríssimo uma experiência ser feita para provar que a teoria vigente está errada. As experiências são feitas, na esmagadora maioria dos casos, por uma de duas razões: Ou por curiosidade "genuína" acerca do que vai acontecer (isto é, sem uma real expectativa sobre qual o resultado que vai ter), nos casos em que qualquer resultado se conformaria com a teoria, ou trata de informação necessária para perceber que classe de teorias pode vir a ser correcta; ou para confirmar a teoria (o "paradigma") vigente. Foi este último o caso de Gus Nossal quando demonstrou que podia eliminar a especificidade para um dado antigénio suprimindo apenas um número reduzido de clones (os que eram específicos para o antigénio). De uma penada matou a "instrução" e mostrou que a "selecção clonal" era um fenómeno verdadeiro.

Ou seja: Na realidade as experiências são (quase) sempre feitas à luz de uma "paradigma" existente, em conformidade com ele, e as "perguntas" que levam a elas só são feitas porque o "paradigma" (a "teoria") lhes dá sentido...

Nada disto é para defender tudo o resto que Kuhn disse (ou que foi atribuído a Kuhn pelos seus seguidores...), mas serve para frisar que o progresso científico não é apenas (ou sequer fundamentalmente) empírico. A Ciência não progride pela "experiência" (coisa essencial em Popper). Progride pela "razão"...

Na última parte desta contribuição para o debate (só daqui a uma semana, hélas) vou finalmente abordar a questão da "verdade científica". Repito que acho que há uma altura em que chegamos "ao fim da linha" e o "paradigma" não pode mais mudar, porque mudá-lo implicaria mudar tudo o que sabemos sobre o funcionamento da matéria viva. Se o mecanismo que hoje em dia achamos ser "a verdade" para descrever a "Geração da Diversidade" dos anticorpos estiver errado, então toda a Biologia tem de estar errada. Estamos errados acerca do papel do DNA, do RNA, da regulação da expressão genética, da síntese proteica, das proteínas, etc etc etc...

Três notas:

1. Não me esqueci do "problema dos cisnes": O mecanismo que conhecemos em ratinhos não é igual ao que opera noutras espécies. Por exemplo, nos camelos há umas variações curiosas; nas galinhas - e talvez também nos cisnes - o mecanismo de G.O.D. é totalmente distinto; nas ovelhas é ainda diferente de todos estes. É também possível, em tese, que não seja exactamente, exactamente, exactamente, exactamente igual em todos os ratinhos que existem, existiram e existirão. O que isto nos diz, acho eu, é que ainda há coisas que não sabemos e por isso ainda vale a pena ser cientista. Embora não me pareça provável, admito que alguém, algum dia, tropece num ratinho que diversifica os seus anticorpos como as galinhas (é tudo por gene-conversion). Admito até (já disse que sou agnóstico, não disse?) que um dia apareça uma galinha que rearrange gene fragments - V, D e J - e tenha N-sequences e tudo. O que só significa, estou-me a repetir, que não vou deixar de ter emprego...

2. No meu texto anterior cometi uma omissão quase tão grave como a da Academia Sueca! Vale a pena recordar que David Talmage teve também uma contribuição significativa para toda esta história. Forsdyke cita-o aqui desta forma: " . . . it is tempting to consider that one of the multiplying units in the antibody response is the cell itself. According to this hypothesis, only those cells are selected for multiplication whose synthesized product has affinity for the antigen injected. This would have the disadvantage of requiring a different species of cell for each species of protein produced, but would not increase the total amount of configurational information required on the hereditary process."
Foi mais um daqueles que acabaram esquecidos nas "brumas da memória"... nem a Wikipedia ajuda muito... os amigos dele, provavelmente, are no more...

3. Uma das razões que ditou o abandono das Teorias Instrutivas foi a ideia que as proteínas têm uma estruta tri-dimensional fixa, determinada pela sua sequência de amino-ácidos. A descoberta da alosteria (Changeux e Monod) e a resolução dos cristais desse "enzima honorário" que é a Hemoglobina (Perutz) mostrou que afinal até há substrato biológico para esse tipo de ideias. Se Changeux tivesse nascido mais cedo ou Perutz fosse mais despachado, acho que Burnet teria acabado os seus dias na maior das obscuridades...

Santiago

Arquivado em:Ciência

1 Comments:

Blogger Zèd Escreveu...

Caro Santiago,

Talvez seja bom uma pequena discussão semântica sobre a palavra "Falsificabilidade"? No caso da Teoria Instrutiva, não conseguir dar resposta a todas as observações, o que inclui a coerência com as outras teorias vigentes, não será uma forma de falsificação? Falsificação no sentido lato, o que não é talvez a mesma coisa que disse Popper (e não vou fazer a defesa intransigente de Popper). Acredito que a visão de Popper de "Falsificação" seja redutora.

Não concordo que a Ciência não seja empírica, nas é apenas empírica, mas os resultados experimentais são o factor decisivo. A Ciência propõe modelos explicativos (como já disse numa discussão com o ( Ludwig Krippahl - http://ktreta.blogspot.com/) não se limita à simples recolha de observações empíricas. A observações experimentais são (como os geneticistas gostam de dizer a propósito de determinados genes) necessárias mas não suficientes para fazer Ciência. Sou de opinião que a Ciência progride pela experiência, a construção de paradígmas é importante, mas enquanto não for apoiada por resultados experimentais limita-se ao campo da especulação, o que não é propriamente um progresso.

8:42 da manhã, outubro 10, 2006  

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