Princípios e Incertezas (parte I)
Nota prévia: Caro Santiago, este ainda não é bem o debate prometido, mas anda lá perto e vem na sequência dos outros que temos tido por aí.
Dei por mim a falar do Princípio da Incerteza de Heisenberg, num comentário no Conta Natura, o que me fez pensar nas implicações filosóficas desse Princípio. Isto depois de AAA numa outra caixa de comentários, e citado por Santiago neste outro post, ter dito que faltam aos cientistas as "mais básicas noções de Filosofia". Sou levado a concluir que, não tendo a Filosofia mudado substancialmente depois da descoberta de Heisenberg, (ao que se pode acrescentar a Teoria do Caos, ou a Termodinâmica), é exactamente o inverso do que afirma AAA que devemos lamentar. É a Filosofia que ignora olimpicamente a Ciência, e falha redondamente na compreensão das implicações das mais importantes descobertas científicas.
Segundo o princípio da incerteza de Heisenberg não é possível determinar simultaneamente a posição e a velocidade de um electrão. E isto não é por uma limitação técnica que possa ser ultrapassada com a melhoria da tecnologia, é uma impossibilidade física fundamental, é uma lei da física (pelo menos enquanto não for refutada, e já lá vão 80 anos). Acontece que, se acreditarmos numa noção absoluta de verdade, a verdade é que num dado momento um electrão tem uma posição e tem uma velocidade. Isto quer dizer que o alcance da verdade pelo espírito humano é fundamentalmente impossível, fisicamente impossível. Mas porque razão é impossível determinar simultaneamente a posição e velocidade do electrão? Porque a observação do electrão altera-lhe o estado. Quer isto dizer que, sendo o electrão um objecto exterior ao observador, este só o pode "ver" interagindo com ele nas suas abordagens experimentais, essa interacção vai fornecer ao electrão energia, e isso faz com que ou a posição, ou a velocidade do electrão, ou ambas, se alterem, portanto o objecto inicial, "puro" por assim dizer, desaparece com o desenrolar da experiência. Resumindo o observador altera a natureza do objecto.
Poderiam dizer que esta última frase é uma generalização abusiva, que o princípio da incerteza se aplica apenas ao electrão, mas não é o caso. O objecto, qualquer que ele seja, sendo exterior ao observador é-lhe sempre inacessível. A única coisa que é acessível é a interacção do observador com o objecto, e essa interacção altera o objecto, ou seja o verdadeiro objecto inicial que se pretendia estudar perde-se. Por exemplo uma fotografia na realidade é a interacção entre os fotões reflectidos pela paisagem e a prata que existe na película (pelo menos era assim antes do digital), e só através da revelação se pode ver a imagem, mas revelações podem ser feitas de muitas maneira, com resultados diferentes, nenhum deles rigorosamente verdadeiro. Outro exemplo em Ciência é a Biologia Celular, se pusermos uma célula ao microscópio ela é quase sempre absolutamente transparente. Só após técnicas que fixação, coloração e manipulação de luz pudemos ver a célula, ou seja só a célula alterada é visível ao observador.
Uma vez em conversa com uma antropóloga alemã, dizia-me ela que isto não era nada de novo, que em Ciências Sociais já se sabe há muito tempo que o observador não é nunca completamente imparcial, o tal bias, e que pode portanto deformar o objecto observado. Eu contrapus que não estávamos a falar do mesmo nível, que o caso que ela me apresentava podia, pelo menos em teoria, ser corrigido com rigor intelectual e com métodos de estudo apropriados, suficientemente críticos, mas que não representava uma prova da impossibilidade fundamental do observador estudar o objecto sem o alterar, como o faz o princípio da incerteza de Heisenberg. Ela não chegou a perceber a diferença entre um e outro.
Também a teoria do Caos demonstra que em fenómenos não lineares (que são quase todos os fenómenos da vida real, da Termodinâmica à Biologia de Populações, da Meteorologia à Economia) uma pequena variação nas condições iniciais, abaixo do grau de precisão dos nossos instrumentos de medida, leva a consequências completamente díspares. A previsão rigorosa de fenómenos não-lineares, mesmo conhecendo todas as variáveis do sistema (o que é raro), é impossível. E também podia falar de termodinâmica e Ilia Prigogine, mas não vale a pena...
A pergunta que me fica é: Como pode a Filosofia permanecer inalterada depois de se estabelecer a que a verdade é fundamentalmente inacessível ao espírito humano? Ou de uma forma mais prosaica: como é que alguém ainda pode levar a noção de verdade a sério?
Dei por mim a falar do Princípio da Incerteza de Heisenberg, num comentário no Conta Natura, o que me fez pensar nas implicações filosóficas desse Princípio. Isto depois de AAA numa outra caixa de comentários, e citado por Santiago neste outro post, ter dito que faltam aos cientistas as "mais básicas noções de Filosofia". Sou levado a concluir que, não tendo a Filosofia mudado substancialmente depois da descoberta de Heisenberg, (ao que se pode acrescentar a Teoria do Caos, ou a Termodinâmica), é exactamente o inverso do que afirma AAA que devemos lamentar. É a Filosofia que ignora olimpicamente a Ciência, e falha redondamente na compreensão das implicações das mais importantes descobertas científicas.
Segundo o princípio da incerteza de Heisenberg não é possível determinar simultaneamente a posição e a velocidade de um electrão. E isto não é por uma limitação técnica que possa ser ultrapassada com a melhoria da tecnologia, é uma impossibilidade física fundamental, é uma lei da física (pelo menos enquanto não for refutada, e já lá vão 80 anos). Acontece que, se acreditarmos numa noção absoluta de verdade, a verdade é que num dado momento um electrão tem uma posição e tem uma velocidade. Isto quer dizer que o alcance da verdade pelo espírito humano é fundamentalmente impossível, fisicamente impossível. Mas porque razão é impossível determinar simultaneamente a posição e velocidade do electrão? Porque a observação do electrão altera-lhe o estado. Quer isto dizer que, sendo o electrão um objecto exterior ao observador, este só o pode "ver" interagindo com ele nas suas abordagens experimentais, essa interacção vai fornecer ao electrão energia, e isso faz com que ou a posição, ou a velocidade do electrão, ou ambas, se alterem, portanto o objecto inicial, "puro" por assim dizer, desaparece com o desenrolar da experiência. Resumindo o observador altera a natureza do objecto.
Poderiam dizer que esta última frase é uma generalização abusiva, que o princípio da incerteza se aplica apenas ao electrão, mas não é o caso. O objecto, qualquer que ele seja, sendo exterior ao observador é-lhe sempre inacessível. A única coisa que é acessível é a interacção do observador com o objecto, e essa interacção altera o objecto, ou seja o verdadeiro objecto inicial que se pretendia estudar perde-se. Por exemplo uma fotografia na realidade é a interacção entre os fotões reflectidos pela paisagem e a prata que existe na película (pelo menos era assim antes do digital), e só através da revelação se pode ver a imagem, mas revelações podem ser feitas de muitas maneira, com resultados diferentes, nenhum deles rigorosamente verdadeiro. Outro exemplo em Ciência é a Biologia Celular, se pusermos uma célula ao microscópio ela é quase sempre absolutamente transparente. Só após técnicas que fixação, coloração e manipulação de luz pudemos ver a célula, ou seja só a célula alterada é visível ao observador.
Uma vez em conversa com uma antropóloga alemã, dizia-me ela que isto não era nada de novo, que em Ciências Sociais já se sabe há muito tempo que o observador não é nunca completamente imparcial, o tal bias, e que pode portanto deformar o objecto observado. Eu contrapus que não estávamos a falar do mesmo nível, que o caso que ela me apresentava podia, pelo menos em teoria, ser corrigido com rigor intelectual e com métodos de estudo apropriados, suficientemente críticos, mas que não representava uma prova da impossibilidade fundamental do observador estudar o objecto sem o alterar, como o faz o princípio da incerteza de Heisenberg. Ela não chegou a perceber a diferença entre um e outro.
Também a teoria do Caos demonstra que em fenómenos não lineares (que são quase todos os fenómenos da vida real, da Termodinâmica à Biologia de Populações, da Meteorologia à Economia) uma pequena variação nas condições iniciais, abaixo do grau de precisão dos nossos instrumentos de medida, leva a consequências completamente díspares. A previsão rigorosa de fenómenos não-lineares, mesmo conhecendo todas as variáveis do sistema (o que é raro), é impossível. E também podia falar de termodinâmica e Ilia Prigogine, mas não vale a pena...
A pergunta que me fica é: Como pode a Filosofia permanecer inalterada depois de se estabelecer a que a verdade é fundamentalmente inacessível ao espírito humano? Ou de uma forma mais prosaica: como é que alguém ainda pode levar a noção de verdade a sério?
Arquivado em:Ciência
3 Comments:
Ah! Vou adorar este debate, mas quero-me guardar para as "partes" seguintes (vai haver uma II ? uma III ?, ainda mais ?) para ter tempo de pensar mais nesta maneira específica de colocar as questões... deixa-me só ressalvar que ir buscar o Princípio de Incerteza quase que me arrasta para aquele tal "mundo" cujo vocabulário me deixa tão pouco à vontade... não é uma queixa, é só para avisar que eu talvez acabe a "fugir" para o outro vocabulário...
Por hoje deixa-me só apontar uma curiosa constatação: Estás a usar a palavra "verdade" num sentido oposto ao de Delbrück. Para ti "verdade" é afinal a "incerteza" dela mesma... devia ter percebido isso no outro comentário...
Isso ameaça ser "filosofia" a mais para a minha camioneta! Por "Acaso" sinto agora grande "Necessidade" de reler a minha "biblia"... quero refrescar todo o argumento da "linguagem" para perceebr se isto não é tudo uma questão semântica...
Abraço
Santiago
Para já tenho um II em preparação, depois vai ser em função do debate...
Quanto ao uso da palavra "verdade" acho que já se tentou criar a distinção entre as duas coisas, a "realidade interna" que será a verdade em sentido estrito, e a "realidade externa" que é o que nos é possível observar. Delbrück acreditava que uma e outra se podem equivaler, eu acho que com o princípio da incerteza de Heisenberg se demonstra que uma e outra são fundamentalmente diferentes, e a primeira está fora do nosso alcance.
Olá
Cheguei atrasado, mas tenho uma opinião sobre o assunto.
Para mim a questão é que a verdade não está na posição e velocidade, pois não são propriedades intrínsecas da matéria. São como que estatísticas efectuadas a partir da verdadeira essência de uma partícula que é a "função de onda", uma distribuição que está espalhada pelo espaço, tal como o campo eléctrico ou gravítico. Tanto a posição como a velocidade são médias calculadas a partir da função de onda.
Medir a posição de uma partícula é como forçar um volume de água a estar num copo A ou B, acontece que no caso da partícula a medição força toda a água a ir para um dos copos - é o colapso da função de onda.
Ou seja, se acreditarmos na MQ e na função de onda como propriedade intrínseca da partícula (e há fortes razões, incluindo experimentais, para acreditar nela), a medição da posição ou da velocidade são formas muito toscas de conhecermos a partícula.
Ora, sem ter alguma ideia sobre como realizar isso, parece-me conceptualmente concebível que possa vir a existir uma forma de medir a tal função de onda. De facto, num átomo de hidrogénio por exemplo ha formas de calcular a função de onda do electrão, isso não é uma forma de o conhecer?
E se calhar não estamos tão longe das ciências sociais, o querermos conhecer o objecto de acordo com as nossas estruturas perceptivas (ou aparelhos de medida) alteram o próprio objecto sem que fundamentalmente ele deixe de ter propriedades intrínsecas num determinado instante.
Falando de teoria do caos e sistemas dinâmicos ainda estamos pior... O problema não é a "verdade" estar num patamar diferente (corresponder a variáveis que não são observáveis) mas sim que o sistema é susceptível às mínimas alterações. O sistema pode ser descrito por equações conhecidas, o problema está em determinar com precisão as condições iniciais de que ele parte. Mas mais uma vez, teoricamente isso é possível, basta melhorar infinitamente os aparelhos de medição ;)
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