segunda-feira, outubro 16, 2006

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Princípios e Incertezas (parte III)

Vou finalmente responder ao post que aqui escreveu o Santiago, no debate que temos mantido sobre se a Ciência pode ou não alcançar a verdade. Nesse post, e num outro o Santiago usou como exemplo a Imunologia, e a descoberta da estrutura do anti-corpo para ilustrar o processo científico. Há alguns aspectos da sua argumentação que quero comentar.

Pegando na explicação instrutiva. Segundo esta explicação os anti-corpos teriam capacidade de se adaptar aos anti-génios, o que com as descobertas da Biologia Molecular se tornou simplesmente inconsistente. O Santiago argumenta que isto constitui uma refutação da visão popperiana da falsificabilidade dado que a explicação instrutiva não foi refutada experimentalmente, tornou-se apenas incoerente com a visão global da Biologia e da Genética que entretanto emergiu. Em sentido estrito, e sendo intelectualmente rigoroso o Santiago tem toda a razão, a falta de um teste empírico que falsifique a teoria é contraditória com a visão de Popper (um ponto a favor de Khun). No entanto, tomando a visão de Popper em sentido lato, vendo o princípio da falsificação como uma abstracção (e uma simplificação), como sendo apenas um modelo de trabalho, uma forma de sistematização lógica do funcionamento da Ciência, pode argumentar-se que a Biologia Molecular (o tal novo paradigma) é a refutação da explicação instrutiva. Mesmo que esta não tenha sido directamente testada a Biologia Molecular resulta de uma serie de resultados experimentais que são inconsistentes com a explicação instrutiva, digamos que é uma falsificação indirecta.

Depois o Santiago escreve sobre o modo como avança a Ciência, e aqui não vou defender Popper. Chega de simplificações abusivas e de abstracções. Concordo com o Santiago quando diz que "é raríssimo uma experiência ser feita para provar que a teoria vigente está errada", e acrescento que a intenção com que se faz uma experiência é completamente irrelevante. Normalmente a experiência faz-se para testar se um dado paradigma se aplica a uma situação nova, que ainda não tenha sido testada, seja qual for o paradigma, ou por vezes (não raras) nem sequer há um paradigma a priori. Isto é apenas uma maneira diferente de dizer o que já disse o Santiago.

Há, no entanto, um ponto onde eu não concordo:

"... o progresso científico não é apenas (ou sequer fundamentalmente) empírico. A Ciência não progride pela "experiência" (coisa essencial em Popper). Progride pela razão..."

A Ciência sem resultados empíricos é apenas especulação. Ou seja, podem construir-se teorias, mas que não se constiuirão em paradigmas se não forem corroborados por observações experimentais, se não forem testados empiricamente. Tal como acumular dados empíricos sem que se construa a partir daí um modelo explicativo não é propriamente Ciência, é stamp collection como diria Rutherford. E isto leva-me a um outro ponto que me parece importante e que o Santiago não abordou: Como se constrói um paradigma? Quem decide que uma teoria se transforma em paradigma?

Relembro a citação de Feyerabend, que não foi obviamente escolhida ao acaso. O que determina a aceitação de uma paradigma é essa entidade difusa e indefinida, como todas as entidades colectivas, que é a comunidade científica. Não há uma regra escrita, nem sequer um código de conduta tácito, sobre o que faz com que uma teoria seja aceite. O que estabelece a aceitação ou refutação de uma teoria é simplesmente aquilo que o conjunto dos cientistas de uma determinada área, num dado momento, concordam em considerar como correcto, ou melhor ainda, como aceitável. Está sujeito ao contexto específico de cada domínio científico, ao contexto histórico, a modas e a toda uma série de circunstâncias que influenciam essa decisão colectiva. A visão de Feyerabend está muito mais de acordo com esta constatação, é uma visão muito mais realista de como a Ciência se faz na realidade. Não há uma regra universal, não há sequer um padrão comum que se repita ao longo da História da Ciência. E vou voltar a este ponto quando voltarmos à questão central deste debate, a verdade científica.

Arquivado em:Ciência

1 Comments:

Anonymous Anónimo Escreveu...

Tentei dar uma resposta neste post.

O debate se calhar vai mudar um bocadinho de foco, mas vi aqui um pretexto para contar outra história. Adoro contar histórias... à minha maneira, claro...

Abraço,

Santiago

9:35 da tarde, outubro 18, 2006  

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