terça-feira, maio 16, 2006

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A novela Clearstream

Ainda que mal lhe pergunte, o estimado leitor tem estado a acompanhar a cena política aqui em França? Está a par do escândalo que anda nas bocas de toda a gente? Olhe, deixe-me que lhe diga, isto tem sido uma novela que põe os melhores folhetões Venuzuelanos a um canto. Quem sabe até talvez chegue ao nível duma TVI. A coisa mete espionagem, ambições políticas, traições, polícia, tribunais, eu sei lá, é uma escandaleira. Mas o que vale é que aqui há jornais, então o povo vai sabendo tudo o que se passa. É, com os pormenorezinhos todos, é fantástico, isto é que é democracia, informação para todos. Isto tudo começou há muito tempo, lá para o princípio dos anos 90, quando foram vendidas umas fragatas a Taiwan, e parece que alguém meteu dinheiro ao bolso, até aí tudo normal. Acontece que há p'rá'i uns três ou quatro anos, quando o actual primeiro-ministro Villepin era ainda ministro dos negócios estrangeiros, um corvo enviou umas cartas anónimas a acusar umas quantas personalidades políticas de terem metido dinheiro ao bolso com a estória das fragatas. Corvo, é um eufemismo para Bufo, Chibo, e outras demais formas de denúncia anónima, mas tem mais charme e é mais enigmático. Entre as personalidades acusadas está o actual ministro do interior Sarkozy, candidato a candidato à presidência da república. Villepin, também é candidato a candidato, e com o apoio do seu mestre e tutor, o actual presidente Jacques Chirac (está bom de ver que Sarkozy e Villepin são bons amigos). E vai daí o Villepin, enquanto era ministro dos negócios estrangeiros, ao que consta a mando do presidente Chirac, manda investigar o Sarkozy. O presidente diz que não é nada com ele. Ora, para investigar o amigo Sarkozy, o amigo Villepin não se fica por menos e apela aos serviços secretos. E afinal o corvo não era nada anónimo coisa nenhuma é amigo do Villepin, um tal de Gergorin (com uma carinha laroca destas nem vale a pena pôr uma caricatura) que tem uma pancada feia por livros de espionagem e teorias da conspiração. E mais ainda, teve uma reunião com o juiz a quem mandou as cartas anónimas para lhe dizer que ia mandar as cartas anónimas, não fosse o juiz não levar as ditas a sério. Pequeno pormenor, os nomes de personalidades políticas que supostamente teriam recebido dinheiro foram acrescentados à má fila aos de quem terá realmente recebido dinheiro, ou seja manipulação e documentos forjados. E o tal Gergorin, amigo do Villepin, até esteve presente na reunião do Villepin com o general Rondot dos serviços secretos, que ficou encarregue de investigar o Sarkozy. Ora, o general Rondot tem uma obsessão por tirar notas exaustivas, e eu aproveito para lhe agradecer, daqui deste meu humilde blogue, a sua preocupação, porque se não fossem as suas notas tão completinhas os jornalistas estariam provavelmente por esta altura a escrever disparates, e nós estaríamos aqui a apanhar bonés sem perceber o que se passou. Parece é que a ministra da defesa, a madame Aliot-Marie não ficou contente por terem utilizado os serviços secretos sem o seu conhecimento (dela). O presidente diz que não é nada com ele. Eis que senão quando rebenta a bronca, o Le Monde jornal reputado e com bons profissionais fez o trabalhinho de casa, investigou, deu com o bloco de notas do general e com os depoimentos aos juízes que ainda estavam em segredo de justiça, e bota a boca no trombone. Daí para cá, para o pobre Villepin tem sido só porrada e mal viver. O presidente diz que não é nada com ele, mas que confia no governo. E o pessoal a dizer que não sei quê, que usou os meios do estado para fins políticos próprios, que não sei que mais, que fomentou denúncias caluniosas e tal e coiso, e não sei que mais. Parece é que na altura até seria o Chirac quem queria dar cabo do Sarkozy, mas o presidente diz que não é nada com ele. O Sarkozy, esse faz-se de vítima, pobre dama violada (quem é que terá passado as informações para a imprensa?), que não abandona o governo porque lhe dá mais jeito para as suas ambições políticas ser ministro do interior, que tem controlo das polícias para chatear a chungaria, e que pode pôr os imigrantes daqui para fora e tudo. Não, desculpem, enganei-me, ele não disse nada disso, se não me engano o que ele foi que continuava no governo porque está ao serviço da França, sim agora me lembro, foi isso que ele disse. Também diz que nunca soube de nada, que foi apanhado de surpresa e que de qualquer modo não quer saber de intrigas. O general Rondot deu-lhe conhecimento da intriga há já muito tempo. Nisto o PS finalmente deu sinal de vida, o seu líder François Hollande, a quem chamam o culbuto (atenção, pronuncia-se culbutô) porque se aguenta sempre de pé contra todas as espectativas, criticou o governo como lhe competia. Apresentou uma moção de censura que estava condenada a ser rejeitada, porque o partido do governo tem maioria absoluta, mas o PS apresentou bem a sua iniciativa, teve visibilade e conseguiu marcar mais uns pontinhos (vejam lá que até conseguiu desviar a atenção da disputa interna pela candidatura à presidência, se bem que aquilo não tem tanto potencial, não é um saco de gatos como na direita, é até um bocado boring). Só é pena é o PS não ter tido tanta pujança na altura dos tumultos nos subúrbios ou na crise do CPE, mas enfim, agora estiveram bem. O presidente, esse diz que não é nada com ele.

Estimado leitor, percebeu esta estória do Clearstream? Não...Então veja isto, talvez dê para perceber melhor (sacado no Le Monde):


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