quinta-feira, maio 11, 2006

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Direitos humanos para os animais?

Parece que nos últimos anos as acções em defesa dos "direitos dos animais" têm vindo a aumentar. O problema (sim, trata-se de um problema) afectava sobretudo a investigação científica em que se usa animais para experimentação. Vários artigos na revista Current Biology dão conta da situação em particular no Reino Unido. Activistas (radicais?) dos direitos dos animais perpetraram agressões, actos de vandalismo, e ameaças dirigidos não só contra investigadores mas também contra quem esteja directa ou indirectamente ligado à investigação. Um exemplo disso são as ameaças que sofreram os empregados da empresa responsável pela construção de um novo edifício para as ciências biomédicas em Oxford. Em Bristol chegaram a ocorrer atentados à bomba em 1989 e 1990 (Current Biology vol.15, nº19, 5 Oct 2004 e vol. 15 nº21, 15 Nov 2005, links disponíveis só para assinantes). No entanto isto não corresponde a uma mudança na opinião pública, a única evolução que houve foi um ligeiro aumento do apoio à investigação com utilização de animais (ainda na Current Biology, Vol. 16, nº1, 10 Jan 2006).

Mas já não é só a investigação que é afectada por este problema (talvez nunca tenha sido). Recentemente a cidade de Chicago decidiu proibir o consumo de Foie Gras, porque os animais que servem para preparar essa iguaria são tratados de forma "desumana" (notícias aqui e aqui), e noutros estados dos EUA preparam-se medidas idênticas. Que fique bem claro que o que me preocupa é que se façam leis destas, ou que se limite a investigação. Quem quiser não comer Foie Gras que não coma. Quem quiser tratar o seu caniche tão bem ou melhor do que trataria um filho que o faça, é uma opção pessoal. Não vejo problema nenhum nisso. Agora não nos obriguem a todos a tratar os animais como se fossem humanos, isso já algo completamente diferente. Os animais não são humanos! Se agora é isto, o que virá a seguir? Assistência Veterinária para os animais de estimação subsidiada pelo estado? E se, por hipótese, a epidemia do vírus H5N1 da gripe das aves atingir os pombos (que são susceptíveis como qualquer ave) e for preciso tomar uma atitude drástica sob pena de pôr em risco a população humana?, o que vão dizer os activistas dos direitos dos animais?

Acho que há aqui uma questão de prioridades. Como disse o Mayor de Chicago, Richard Daley (que esteve contra esta decisão do "City Council") "Temos crianças que são mortas por chefes de gangs e passadores de droga. Temos problemas a sério aqui nesta cidade (...) Vamos lá a estabelecer prioridades" (tradução minha). Pôr os direitos dos animais à frente dos direitos humanos, sobretudo quando há humanos cujos direitos fundamentais não são respeitados, isso sim é desumano. Para além disso, na minha opinião, há uma questão mais fundamental nisto dos direitos dos animais. Não percebo o porquê de, sendo nós humanos, termos uma obrigação moral relativamente ao bem estar dos animais. É como se, por sermos feitos "à imagem e semelhança de Deus" tivéssemos uma obrigação, como seus representantes na terra, de zelar pelos "produtos menores" da sua obra. A mim não me parece uma razão suficientemente boa para fazer leis a proteger os direitos dos animais.



Arquivado em:Ciência

3 Comments:

Blogger Zèd Escreveu...

Quanto à questão das prioridades estamos de acordo.

Em relação à questão ética/moral/filosófica, talvez a minha posição seja radical, mas isso por si só não me incomoda, nem sempre no meio está a virtude. Quanto à minha alusão à religião, apesar da linguagem que usei evocar a doutrina cristã, não é de cristianismo que falo, mas sim de uma religiosidade subconsciente nesta questão dos direitos dos animais. Argumentando por redução ao absurdo, posso perguntar se é normal um rato preocupar-se com os direitos humanos? Se um animal não se preocupa com os direitos humanos, porque é que nos devemos preocupar nós com os direitos dos animais. A resposta que costuma dar-se é a de que somos inteligentes e por isso temos responsabilidade relativamente aos animais. Primeiro, se somos inteligentes isso deveria ser uma vantagem para nós, e não para os animais, segundo este raciocínio está subjacente numa suposta superioridade em relação aos outros animais (a tal religiosidade). Aqui a minha questão é: Superioridade em quê?, do ponto de vista de quem? (de Deus?) Porque razão essa suposta superioridade nos confere uma responsabilidade sobre os outros animais? Este é um princípio que me parece aceite de forma axiomática e com a qual eu não concordo. Os princípios morais e éticos que estabelecemos, e as leis que fazemos enquanto humanos vinculam apenas os humanos, para o resto ninguém nos passou procuração.

Por exemplo quando dizes que há "animais" e "animais", para mim isso expõe algumas contradições e incoerências na defesa dos direitos dos animais. O grau de consciente do "sentient being" e dos outros está ainda por demonstrar, é algo que na realidade não sabemos. Mas porquê o "sentient being" e não os outros? Porquê os animais que têm algum grau de civilização são mais que os outros? Isso parece-me, além do antropomorfismo evidente, perfeitamente arbitrário. Compreendo que se defina como critério a dor, mas aí todos os animais têm sistema sensoro-neuro-motor, portanto são passíveis de sentir dor, não vejo razões para criar distinções.

Quanto à questão de saber se é justificável extinguir uma espécie para assegurar o desenvolvimento económico (e as outras questões associadas), para mim é tão justificável quanto uma leoa matar uma zebra. A natureza funciona assim, umas espécies asseguram a sua sobrevivência e o seu bem estar à custa das outras. É normal! A questão de poder de que falas, quanto a mim aplica-se apenas às relações entre humanos. Nós humanos, devemos zelar pelo nosso próprio bem estar (de TODOS os humanos, que fique bem claro). Devemos proteger a natureza, sim, mas pura e simplesmente porque isso é do nosso interesse.

8:05 da tarde, maio 11, 2006  
Blogger Zèd Escreveu...

Hugo, ficam patentes as nossas diferenças de opinião. É para isto que servem os blogues.
Apenas mais algumas notas (que espero breves). Não concordo com a separação entre humano e natural, nós humanos fazemos parte da natureza, com as nossas idiossincrasias, sem dúvida, mas fazemos parte da natureza. A IVF e o direito à homossexualidade, deixando o argumento religioso de lado, fazem naturalmente parte da natureza humana.
Como disse no post, o que me preocupa são as leis que se possam fazer. Quem quisere consumir produtos alimentares em que os animais foram tratados de maneira mais digna (mesmo sendo mais caros?), tudo bem é um direito incontestável, fazer leis que obriguem a isso é que já não estou de acordo.
No essencial mantenho que na nossa relação com os animais, as leis que forem feitas devem ter em conta os nossos interesses, não os dos animais.

12:07 da manhã, maio 12, 2006  
Blogger Zèd Escreveu...

Discordo em absoluto de que o plano teológico e natural sejam a face inversa um do outro. Na minha opinião é da natureza que se trata, estamos a discutir a relação do homem com a natureza, e devemos discutir o assunto sem argumentos de ordem divina (aí concordo). Aliás se não há Deus nem natureza então não há nada. Eu fico-me pela natureza, e deixo Deus de fora. Mas já agora uma questão: Qual é a razão moral fundamental pela qual devemos atribuir direitos aos animais (e consagrá-los em leis)? E porquê direitos diferentes para os animais com mais grau de consciência?
PS - A homosseuxualidade faz parte da natureza humana, caso contrário seria fisicamente impossível, mas isso é um assunto completamente diferente, porventura tão ou mais interessante que os direitos dos animais (mais, digo eu).

8:20 da manhã, maio 12, 2006  

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