Ainda os direitos dos animais
Este post que escrevi sobre os direitos dos animais deu origem a um diálogo na caixa de comentários, com o Hugo Mendes, que escreve, no Véu da Ignorância. Um diálogo que por termos opiniões diferentes nos fez desfilar quase todo o argumentário de um lado e de outro da questão. Quer dizer, pensava eu que era o argumentário quase todo. Entretanto o Hugo escreveu este mais post sobre o assunto que deu origem a mais comentários. Pela minha parte vou tentar não repetir o que já disse (talvez com uma excepção), mas há questões que ficaram sem resposta.
Começando com a excepção, acho que devo clarificar a questão da religiosidade a que fiz alusão no primeiro post, e que o Hugo criticou. Apesar de a linguagem que usei aludir à doutrina cristã, ou mesmo católica, não é esse o meu alvo. Desde há muito tempo que tenho a impressão que quem defende os direitos dos animais (e neste caso não estou a falar do Hugo, mas de algo muito geral) baseia a sua argumentação numa religiosidade subconsciente (ou talvez mesmo consciente). A argumentação é que sendo os humanos superiores, nomeadamente na sua inteligência, isso nos confere uma responsabilidade relativamente ao bem-estar dos animais, e logo direitos. Na minha opinião este antropocentrismo ao elevar o homem a uma categoria superior, está a colocá-lo uma categoria (quase) divina. De certo modo o homem substitui Deus. Isto é ainda mais notório quando se hierarquizam os animais consoante a sua semelhança, em determinados aspectos, connosco humanos, e se atribui mais direitos aos que se nos assemelham mais. Ora, está por demonstrar a superioridade do homem em relação aos outros animais no que quer que seja (porque não somos imparciais nessa avaliação, porque a nossa incapacidade em detectar formas de inteligência idênticas à nossa não prova que elas não existam, porque o conceito de superioridade é arbitrário), mas mais do que isso essa suposta superioridade é irrelevante para esta questão. A posição que defendo é a que simplesmente somos uma espécie de animais, que se organiza em sociedade, que essa sociedade tem regras, mas essas regras vinculam apenas os que fazem parte dessa sociedade, os humanos. O bem-estar das outras espécies não é da nossa responsabilidade enquanto humanos.
Isto da sociedade humana é uma introdução a uma questão que me colocou o Hugo, e que é de facto central neste assunto: Já agora, posso devolver a questão. Pode parecer absurda, mas já que discutimos critérios, acaba por ser essencial: qual é a justificação para a excepcionalidade dos direitos dos humanos? Porque direitos para eles e não para os animais? :). É, obviamente uma questão de princípios morais e éticos. Começando por uma constatação, nós humanos somos uma espécie animal que se organiza em sociedade, quer isso dizer que a nossa (sobre)vivência depende das interacções com os outros membros da espécie. A partir daqui a constatação transforma-se em princípio moral, ético. Na minha opinião, a organização social humana deve basear-se na solidariedade, e a solidariedade deve basear-se primeiramente nos direitos fundamentais de cada ser humano. Claro que essa solidariedade pode e deve ser aprofundada para além dos direitos fundamentais, mas isso é outra questão. Agora quando há conflito entre bem-estar dos animais e dos humanos, pelo dever de solidariedade a que estamos obrigados, deve prevalecer o nosso bem estar. E, de certo modo há sempre um conflito, que me leva a outra questão.
Atribuir um valor ao bem-estar do animal, directa ou indirectamente, leva a um conflito de interesses com o bem-estar humano. Pegando no exemplo que o Hugo usou, o de tratar condignamente os animais destinados à para a produção de alimentos (relembro que esta discussão é a propósito das leis que se podem fazer para regulamentar o tratamento que damos aos animais). Se uma empresa resolver tratar os animais de uma forma que se considere mais civilizada do que o que se faz actualmente não há problema, quem quiser comprar comida produzida por essa empresa está no seu direito. Mas provavelmente essa produção, para melhor acomodar o bem-estar dos animais, torna-se mais dispendiosa. Será justo obrigar-nos todos a pagar mais pela alimentação para assegurar o bem-estar dos animais? Imagine-se a posição dos que tendo poucos recursos, acham que os seus direito não são suficientemente acautelados, e seriam obrigados a pagar mais pela comida. O mesmo raciocínio poder-se-ia aplicar à investigação (na prática o problema não se coloca, porque não é do interesse dos investigadores fazerem experiências em animais mal cuidados ou sob stress, e porque os animais de laboratório estão adaptados às condições de laboratório), mas imagine-se que para assegurar o bem-estar dos animais se aprovavam regulamentações que tornariam a investigação mais dispendiosa. Sendo a investigação financiada em grande parte (quando não exclusivamente) com dinheiros públicos, seria correcto, por hipótese, consumir recursos com o bem-estar dos animais em prejuízo da qualidade da investigação? Parece-me a mim que sempre que se estiver a atribuir um valor legal aos direitos dos animais vai entrar-se em conflito com os nossos próprios interesses, quanto mais não seja porque estar-se-á sempre a dirigir, pelo menos recurso materiais para o bem-estar dos animais, acontece que os recursos são limitados, e há humanos que necessitam.
Nota: Se a argumentação de quem defende os direitos (ou como diz os Hugo, os interesses) dos animais fosse sempre razoável e equilibrada, como é a do Hugo ou do timshel (do que li dos comentários, confesso que ainda não li tudo) eu até estava descansado. O que me preocupa é que os radicais consigam influenciar as decisões políticas, simplesmente porque fazem muito barulho (e, de facto, fazem). Como já referi no primeiro post, não parece que a opinião pública esteja a mudar no que toca a esta questão. Não é demais lembrar que o primeiro post que escrevi surgiu com a anunciada proibição de vender e consumir Foie Gras em Chicago, e com a notícia de que outros estados dos EUA se seguirão.
Começando com a excepção, acho que devo clarificar a questão da religiosidade a que fiz alusão no primeiro post, e que o Hugo criticou. Apesar de a linguagem que usei aludir à doutrina cristã, ou mesmo católica, não é esse o meu alvo. Desde há muito tempo que tenho a impressão que quem defende os direitos dos animais (e neste caso não estou a falar do Hugo, mas de algo muito geral) baseia a sua argumentação numa religiosidade subconsciente (ou talvez mesmo consciente). A argumentação é que sendo os humanos superiores, nomeadamente na sua inteligência, isso nos confere uma responsabilidade relativamente ao bem-estar dos animais, e logo direitos. Na minha opinião este antropocentrismo ao elevar o homem a uma categoria superior, está a colocá-lo uma categoria (quase) divina. De certo modo o homem substitui Deus. Isto é ainda mais notório quando se hierarquizam os animais consoante a sua semelhança, em determinados aspectos, connosco humanos, e se atribui mais direitos aos que se nos assemelham mais. Ora, está por demonstrar a superioridade do homem em relação aos outros animais no que quer que seja (porque não somos imparciais nessa avaliação, porque a nossa incapacidade em detectar formas de inteligência idênticas à nossa não prova que elas não existam, porque o conceito de superioridade é arbitrário), mas mais do que isso essa suposta superioridade é irrelevante para esta questão. A posição que defendo é a que simplesmente somos uma espécie de animais, que se organiza em sociedade, que essa sociedade tem regras, mas essas regras vinculam apenas os que fazem parte dessa sociedade, os humanos. O bem-estar das outras espécies não é da nossa responsabilidade enquanto humanos.
Isto da sociedade humana é uma introdução a uma questão que me colocou o Hugo, e que é de facto central neste assunto: Já agora, posso devolver a questão. Pode parecer absurda, mas já que discutimos critérios, acaba por ser essencial: qual é a justificação para a excepcionalidade dos direitos dos humanos? Porque direitos para eles e não para os animais? :). É, obviamente uma questão de princípios morais e éticos. Começando por uma constatação, nós humanos somos uma espécie animal que se organiza em sociedade, quer isso dizer que a nossa (sobre)vivência depende das interacções com os outros membros da espécie. A partir daqui a constatação transforma-se em princípio moral, ético. Na minha opinião, a organização social humana deve basear-se na solidariedade, e a solidariedade deve basear-se primeiramente nos direitos fundamentais de cada ser humano. Claro que essa solidariedade pode e deve ser aprofundada para além dos direitos fundamentais, mas isso é outra questão. Agora quando há conflito entre bem-estar dos animais e dos humanos, pelo dever de solidariedade a que estamos obrigados, deve prevalecer o nosso bem estar. E, de certo modo há sempre um conflito, que me leva a outra questão.
Atribuir um valor ao bem-estar do animal, directa ou indirectamente, leva a um conflito de interesses com o bem-estar humano. Pegando no exemplo que o Hugo usou, o de tratar condignamente os animais destinados à para a produção de alimentos (relembro que esta discussão é a propósito das leis que se podem fazer para regulamentar o tratamento que damos aos animais). Se uma empresa resolver tratar os animais de uma forma que se considere mais civilizada do que o que se faz actualmente não há problema, quem quiser comprar comida produzida por essa empresa está no seu direito. Mas provavelmente essa produção, para melhor acomodar o bem-estar dos animais, torna-se mais dispendiosa. Será justo obrigar-nos todos a pagar mais pela alimentação para assegurar o bem-estar dos animais? Imagine-se a posição dos que tendo poucos recursos, acham que os seus direito não são suficientemente acautelados, e seriam obrigados a pagar mais pela comida. O mesmo raciocínio poder-se-ia aplicar à investigação (na prática o problema não se coloca, porque não é do interesse dos investigadores fazerem experiências em animais mal cuidados ou sob stress, e porque os animais de laboratório estão adaptados às condições de laboratório), mas imagine-se que para assegurar o bem-estar dos animais se aprovavam regulamentações que tornariam a investigação mais dispendiosa. Sendo a investigação financiada em grande parte (quando não exclusivamente) com dinheiros públicos, seria correcto, por hipótese, consumir recursos com o bem-estar dos animais em prejuízo da qualidade da investigação? Parece-me a mim que sempre que se estiver a atribuir um valor legal aos direitos dos animais vai entrar-se em conflito com os nossos próprios interesses, quanto mais não seja porque estar-se-á sempre a dirigir, pelo menos recurso materiais para o bem-estar dos animais, acontece que os recursos são limitados, e há humanos que necessitam.
Nota: Se a argumentação de quem defende os direitos (ou como diz os Hugo, os interesses) dos animais fosse sempre razoável e equilibrada, como é a do Hugo ou do timshel (do que li dos comentários, confesso que ainda não li tudo) eu até estava descansado. O que me preocupa é que os radicais consigam influenciar as decisões políticas, simplesmente porque fazem muito barulho (e, de facto, fazem). Como já referi no primeiro post, não parece que a opinião pública esteja a mudar no que toca a esta questão. Não é demais lembrar que o primeiro post que escrevi surgiu com a anunciada proibição de vender e consumir Foie Gras em Chicago, e com a notícia de que outros estados dos EUA se seguirão.
Arquivado em:Ciência
3 Comments:
Hugo, eu não digo que o homem não é superior aos outros animais (até gosto de acreditar que o homem realmente o é), digo que essa superioridade não está demonstrada, e aqui recorro ao velho argumento epistemológico, não é por todos os cisnes que já vimos serem brancos que se demonstra que todos os cisnes são brancos. Mas mais importante, essa superioridade ainda que exista, não é relevante para esta questão.
Também não digo que só o homem se organiza em sociedade, a minha constatação é de que o homem se organiza em sociedade, não me refiro a outras espécies (claro que os orangotangos, como quase todos os primatas, como muitos outros animais se organizam em sociedade). E refiro que os humanos se organizam em sociedade para chegar ao princípio da solidariedade entre humanos (tal como os outros animais que vivem em sociedade têm uma forma ou outra de solidariedade entre si).
Para mim a separação entre homens e animais não se faz com base no critério da organização social, é uma questão de espécie, que obedece a um critério muito objectivo e verificável, que é o isolamento reprodutor (e que define todas as espécies, não apenas a humana, mas que separa as espécies umas das outras). São indivíduos das mesma espécie os que podem reproduzir-se entre si e orginar uma descendência fértil. Por outras palavras, a separação entre as espécies, e daí a sepração entre a espécie humana e as outras já está feita pela natureza (também isto é apenas uma constatação).
Quando ao conflito de interesses entre humanos e animais, eu não ponho a preservação dos recursos ecológicos no saco dos direitos dos animais. Se daí vier o aumento do preço de um alimento, seja por exemplo o peixe, como consequência de uma tentativa de protejer recursos que nos serão úteis no futuro, acho bem. Não se trata aqui de direitos dos animais, mas do interesse humano. E definir o que é um luxo, e o que não é dá pano para mangas, eu não acho que o Foie Gras seja um luxo. E quanto à tourada, ou à caça, pessoalmente não gosto (mesmo nada), mas não vejo nenhum impedimento moral fundamental para o fazer. Quando falas no hipotético aumento do preço da carne de 5% ou 30%, não me parece relevante saber se seria muito ou pouco, é uma questão de princípio (esta minha última frase soa-me um bocado a reaccionário, devo estar a ficar velho...)
Objectivamente e incontroversamente, como já disse, todos os animais, porque têm sistema sensoro-neuro-motor sofrem, não contesto (o que não está provado é a nossa superioridade).
Do ponto de vista pessoal não me custa nada alargar aos animais uma parte da solidedariedade que é devida aos humanos. Gosto de animais e tive uma grande parte da minha vida animais de estimação (não posso ser acusado de indiferença). O que não concordo, como sempre disse, é que isto seja transposto do nível pessoal para o nível legal. Aí posso ser acusado de intransigência moral, aceito a crítica.
Quanto ao sofrimento desnecessário dos animais, é algo que pode discutir-se. Sem prejuízo de tudo o que disse até aqui, acho um princípio razoável o de tentar evitar todo o sofrimento desnecessário aos animais (adivinhando aqui toda uma nova discussão sobre o que é "desnecessário", os defensores das touradas acharão que não é desnecessário, eu passo bem sem touradas...).
Por um Campo Pequeno sem Touradas, livre de sofrimento, de sangue e tortura de animais.
Manifestação
18 Maio
20h00
Campo Pequeno
www.animal.org.pt
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