quarta-feira, setembro 06, 2006

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Independência?

Uma pergunta que fiz a mim próprio, até mesmo antes de ir foi: "será que os Guadeloupeanos gostariam que a Guadeloupe fosse independente?" Ainda não tenho resposta. Uma sondagem poderia ajudar, mas desconheço sondagens a este respeito, e seria talvez redutor para o propósito deste post. Acontece que os sinais são - de certo modo - contraditórios. Falando da cena política a situação até é relativamente clara, não há nenhum movimento político independentista activo neste momento. Já houve, e houve inclusivamente um movimento armado, que fazia essencialmente atentados à bomba (como acontece hoje em dia na Córsega). Pelo que me disseram pessoas que até eram (ou são...) simpatizantes da causa, e que conheceram o movimento de relativamente perto, foi um movimento que nunca teve sequer um forte apoio popular. O movimento independentista foi iniciado por uma elite, constituída por militantes que tinham feito os seus estudos na metrópole, o que é aliás um clássico nos movimentos independentistas. Mas neste caso, pelos vistos, não houve uma adesão da população, o movimento restringiu-se a uma elite. O governo francês conseguiu a infiltração das células operacionais, e a paralisia do movimento armado, e por fim negociaram o desmantelamento do movimento no tempo de François Miterrand.
Em contraste flagrante com essa falta de adesão popular à causa independentista, na Guadeloupe não se tem de todo a sensação de estar em território francês (com excepção de a polícia usar os mesmos uniformes, e os agentes serem oriundos da França metropolitana). E não falo apenas da cultura e dos hábitos serem diferentes, ou de o crioulo ser tão ou mais presente que a língua francesa. Por exemplo, toda a gente se refere à metrópole como "a França", não dizem a França metropolitana, ou a França hexagonal, simplesmente França, como se não fizessem parte de França. Imagine-se alguém no Açores referir-se a Portugal continental simplesmente como Portugal. Também ouvi algumas discussões sobre o futuro da Guadeloupe, e o que emergia era a ideia de que é preciso um projecto para a Guadeloupe, como se se tratasse de um projecto nacional, sem nunca se dizer "projecto nacional". As pessoas referem-se como muito orgulho a tudo o que é típico da Guadeloupe, comida, bebida, música, história, etc..., uma espécie de patriotismo, sempre em relação à Guadeloupe, não a França. Quando dizem "a minha terra" estão a falar, obviamente, da Guadeloupe. E aqui torna-se de facto surpreendente que um movimento independentista não tenha apoio popular.
Mas talvez haja razões para isso. Primeiro a presença francesa não é repressiva (se houvesse um movimento independentista forte, provavelmente haveria repressão, e seria uma pescadinha-de-rabo-na-boca), mas para além o aspecto político a soberania francesa não é de todo repressiva para com a cultura local, as gentes mantém os seus hábitos e costumes sem problemas. A Guadeloupe (como os outros departamentos ultramarinos) têm autonomia política, e os governos locais são eleitos democraticamente, para além de elegerem deputados para a assembleia nacional. Há ainda outro aspecto, a ligação que existe entre as antilhas (Guadeloupe e Martinique) e a metrópole através da sua comunidade migrante. Haverá hoje na França hexagonal mais antilheses que nas próprias antilhas, o que talvez constitua um laço forte com a metrópole. Depois há também o aspecto pragmático, a situação económica na Guadeloupe e Martinique é melhor do que em qualquer outro local das Caraíbas, ainda para mais com os benefícios da protecção social do estado francês (rendimento mínimo, subsídio de desemprego, etc...). Talvez por isso os Guadeloupeanos estejam contentes com a situação actual, e a soberania francesa até lhes convenha, mesmo se a Guadeloupe não é França.
Isto faz-me colocar uma questão (meramente académica): Será a Guadeloupe comparável a Cabo-Verde? Teria Cabo-Verde podido continuar a fazer parte de um Portugal democrático do pós 25 de Abril? (estou a falar apenas de Cabo-Verde, e talvez S. Tomé e Príncipe, mais nenhum outro país).

Arquivado em:Viagem às Caraíbas