terça-feira, junho 13, 2006

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O velho do Restelo

Lembro-me de quando andava no 9º ano se estudava os Lusíadas (se calhar ainda é assim), e uma dos episódios que se estudava era o Velho do Restelo. A stôra lá se põe a explicar que o Velho do Restelo é uma metáfora, que representa qualquer coisa, e que há várias correntes de pensamento quanto ao significado específico do dito. Talvez representasse os mais cépticos que não acreditavam na epopeia da Índia, ou talvez representasse uma parte da Corte que era mais favorável às conquistas no Norte de África do que à expansão marítima para o Oriente, e mais não sei o quê (eu acho que eram quatro as possibilidades de interpretação, mas não me lembro, e não é muito relevante). Eu tentei apresentar uma explicação alternativa, que devo dizer estava, e continua a estar solidamente assente em observações empíricas. A minha teoria era a de que o Velho do Restelo representa os velhos do Restelo. A stôra olhou para mim com ar deveras ambíguo, assim a meio caminho entre cara de "este gajo está-me a gozar?!" e cara de "como é que este gajo passou da quarta classe?". Diria mesmo que a stôra se engasgou de tanta hesitação. Eu, vendo que ela não era de Lisboa (era de Viseu) pensei logo "devem faltar-lhe referências", e tentei pô-la ao corrente de que o Restelo era um bairro em Lisboa, mesmo ao pé de Belém, e que os velhos eram exactamente como Camões descrevia nos Lusíadas. Mais, no Restelo há um estádio de futebol, onde os velhos se reuniam semana sim, semana não, normalmente aos domingos à tarde, e se ela fosse lá vê-los ia perceber a minha teoria. Ora, se imaginarmos que o Restelo já era mais ou menos assim há quinhentos anos, mas que por não haver estádio de futebol os velhos se reunião à beira Tejo para ver partir as naus, então faz todo o sentido a teoria de que o Velho do Restelo representa o Velho do Restelo, qual metáfora qual carapuça. Por uma vez Camões resolveu não usar nenhuma figura de estilo fazendo disso uma figura de estilo. Já não me lembro como é que a estória acabou, mas tenho a leve impressão que a minha teoria não foi muito bem aceite. Aliás, só um ou dois colegas tão pastéis quanto eu é que podem ter captado a justeza da minha interpretação. Mas até se percebe, quem nunca soube o que é ver o Djão (lembre-se que era avançado do Belém) fazer uma fantástica desmarcação pela esquerda para logo o cativo do lado se levantar num grito "Qu'é-esta merda? Não há foras de jogo?!", quem nunca viu um sócio daqueles que não falha um jogo há trinta anos aplaudir de pé quando o Marítimo faz o 0-2 para depois, o mesmo sócio, exultar com a reviravolta do Belenenses (dois golos do Mladenov), quem nunca presenciou um jogo e em que a equipa da casa ganha por três a zero e ainda é apupada pelos sócios não pode nunca perceber o verdadeiro significado do Velho do Restelo.

Arquivado em:Posts do Belém

1 Comments:

Blogger Alfacinha73 Escreveu...

Está boa! (embora só me lembre vagamente do episódio)
Um grande abraço
Henrique

12:54 da manhã, junho 14, 2006  

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