Il est bien, ce Mec!
A segunda coisa que mais lamento na final do Mundial (sendo que a primeira é esta) é Lilian Thuram não ser de novo campeão do mundo. Thuram faz parte dos jogadores que já se tinham retirado da selecção, mas voltaram a pedido do seleccionador nacional, Raymond Domenech. Thuram tinha já uma excelente carreira, foi campeão do mundo em 98 e da Europa em 2000, e é neste momento o jogador mais internacional de sempre na selecção francesa. Não sendo de todo um goleador, marcou apenas dois golos ao longo da sua carreira com os "bleus", mas marcou-os quando mais foram precisos. Ambos marcados no mesmo jogo, na meia-final de 98 (2-1 contra a Croácia), conseguindo assim a passagem à final. Quando Domenech o chamou de volta a princípio terá ficado até contrariado, mas como se tratava de representar a França voltou para dar o seu melhor. Dizia há poucos dias, antes da final, que aos 34 anos sentia o gozo de um "puto" ("gosse" nas suas palavras) de 10 a ver o campeonato do mundo e que ganhar era o seu sonho. Fez um Mundial soberbo, foi um dos melhores defesas do torneio, só superado (talvez) por Canavarro. É um dos líderes da equipa francesa, e como se viu antes dos penalties, na ausência de Zidane é "O" líder da equipa francesa. Deu tudo o que tinha, e chorou no fim por não conseguir o seu objectivo.
Mas Thuram não é apenas um excelente jogador dentro de campo, é também um cidadão empenhado, aproveitando a sua notoriedade para defender causas. É por exemplo membro do Alto Conselho para a Integração francês, e colabora coma Amnistia Internacional. Deslocou-se de propósito a Paris (vive em Itália, uma vez que joga na Juventus) para participar nas primeiras comemorações oficiais da abolição da escravatura, este ano. É nitidamente uma pessoa inteligente que sabe falar em público e nos média, toma frequentemente posição em questões políticas. Em particular, envolveu-se numa polémica com Sarkozy a propósito dos tumultos nos subúrbios em Novembro do ano passado. Criticou duramente, e exemplarmente, o papel que Sarkozy teve no atear dos conflitos nas banlieus, ao que Sarkozy não conseguiu balbuciar mais do que uma patética resposta no género: O Thuram é jogador da bola, que faça o trabalho dele que é jogar à bola, que eu sou político e conheço a realidade melhor que ele.
É também notório em Thuram que não esquece de onde veio. Passou uma parte da sua vida nos subúrbios de Paris, e pelo que ali atrás escrevi se vê que não esqueceu, mas também não esqueceu a terra onde nasceu e viveu os primeiros anos, e onde vive ainda a sua família. Thuram é francês das Antilhas, nascido na ilha da Guadeloupe. Organiza regularmente, ouvi dizer que todos os anos, uma Léwoz um tipo festa tradicional antilhesa. A Léwoz tem a sua origem nos tempos da escravatura, e era, à época, o momento em que os escravos se reuniam no fim de uma semana de trabalho para dançar e cantar, e tentar esquecer a miséria em que viviam. É um tipo de celebração em que as percursões tradicionais ocupam uma posição dominante na música e no ambiente. Continua a ser um tipo de festa bastante presente nas Antilhas, e Thuram participa, inclusivé financeiramente, para que essa parte da cultura continue bem viva. Il est vraiment bien ce Mec!
Adenda: O "cidadão Thuram", uma excelente entrevista ao "Les Inrockuptibles".
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